terça-feira, maio 06, 2008

Como desmascarar um vidente


Fui num vidente. Sim, vocês leram direito: visitei um vidente. Os seis ou sete leitores que acompanham meus escritos sabem que sou cético, ateu e não acredito no sobrenatural. Por que então fiz isso? E o que essa experiência me revelou? Segue um relato detalhado do que aconteceu. Tomem suas próprias conclusões.

No início de 2007, movido por uma curiosidade insuportável, acordei às 6 da manhã do sábado para ir até uma cidade do interior, a cerca de 150 Km de Porto Alegre, visitar um vidente. Vamos chamá-lo aqui de Seu Roque (que vem a ser seu nome real :). Cheguei até ele através de uma amiga que relatava adivinhações verdadeiramente fantásticas, do tipo que poderiam abalar minhas crenças mais profundas se fossem confirmadas. Claro, que eu nunca cheguei a me convencer dos poderes mediúnicos do Seu Roque - ainda mais de alguém que tem o nome do ajudante do Sílvio Santos - mas a situação chegou a um ponto em que eu tinha que ver com meus próprios olhos. Em teoria, o vidente conseguia adivinhar coisas profundas sem ao menos saber o nome do cliente.

Pois bem. Quando liguei para marcar a "consulta", Seu Roque perguntou meu nome, quem havia me indicado e de onde eu era. Não inventei nada, respondi à todas perguntas, mas já fiquei desconfiado pois se ele fosse "o cara" não precisava perguntar nada, certo?

Chegamos lá, eu e minha namorada na época, para termos uma perspectiva dupla. Seu Roque me recebeu com um aperto de mão mole, do tipo que irrita e pode revelar preferências ocultas. Ele estava com vários colares e vestia uma camisa de seda, brilhante e vermelha. Chegamos à sua casa, onde são realizadas as consultas. Ele me conduziu à sala, onde havia uma mesa no centro, em cima de um barril, do tipo onde se joga cartas. A mesa era meio torta, sentado nela meu braço ficava inclinado para a esquerda.

E começa o espetáculo! Seu Roque pega um baralho de cartas, bem gastas, e começa a embaralhar. Enquanto isso vai me fazendo perguntas (mais perguntas!). Quando afinal ele começaria a fazer as previsões tão esperadas? Sempre num tom de voz calmo e de baixo volume, "delicado" se vocês me entendem, ele ia perguntando. Meu nome completo, onde morava, o que fazia....

O negócio já começava a me preocupar. Então botou 3 cartas na mesa e disse que cada uma delas significava algo que não lembro. Perguntou porque eu estava ali. "Bem, pra me consultar. Nada específico" [aha! Peguei ele, que certamente esperava ouvir uma ladainha sobre minha saúde / situação financeira / situação amorosa / família / trabalho, tópicos que cobrem 99% das pessoas que consultam videntes.

E então começou o jogo de verdade. Embaralhou de novo as cartas, parecia nervoso, um pouco tenso, e deixava cartas caírem no chão. Espalhou todas e me fez mais umas 15 perguntas: onde trabalhava, em quantos lugares já tinha trabalhado, quanto tempo fiquei em cada emprego, minha profissão. Eu desde o início decidi que ia falar sempre a verdade, pra ter certeza de que as previsões não estivessem contaminadas. Com base nestes dados, apontou 3 cartas de forma aparentemente aleatória e começou sua cantilena. Vejam as previsões por assunto:

Trabalho: disse que alguém na "firma" fez um trabalho forte contra mim, e que esta pessoa iria me atrapalhar. Não identifiquei ninguém com esse perfil, mas sempre tem alguém que não simpatiza com você, então a previsão vale pra praticamente qualquer pessoa. Para me livrar disso eu preciso de uma lavagem espiritual.

Relacionamentos: preciso cuidar do meu relacionamento para ele não ter o fim que outros tiveram (acabaram), o que é algo lógico.

Planos pro futuro: após perguntar quais eram (esperava que ele me dissesse), afirmou que todos se realizariam. Ainda bem, já que isso é o que eu queria ouvir, e o que todo mundo quer ouvir. Se eles não se realizarem é porque faltou um trabalho espiritual. De qualquer forma, não vou poder processar o Seu Roque se eles não se concretizarem.

Família: quis saber quem era minha família, outra coisa que eu esperava que ELE me informasse. "Nome completo do pai?", "Quantos anos?", "O que ele faz?".. Ao saber que meu pai é político, vaticinou sua mais surpreendente previsão: "Seu pai tem que se cuidar com um grupo de políticos que está contra ele". Como ele sabe disso? Afinal, não existem disputas na política e todos concordam com todo mundo. Isso me chocou muito, tanto que já avisei meu pai pra se cuidar.

"Sua mãe vai ter um problema de saúde, mas vai ser passageiro". Hmmm.. outra coisa surpreendente, pois dificilmente as pessoas ficam doentes no decorrer de um ano. Gripes, resfriados e afins são extremamente raros hoje em dia. Já avisei minha mãe também.

"E sua irmã, ela é casada?"

"Não"

"Então ela já foi casada?"

"Hmmmm, não..... mas namora há 10 anos"

"E o namorado dela, já foi casado né?"

"Hmmmm, não.."

"Mas já teve algum relacionamento sério antes dela"

"Hmmmmm, não que eu lembre"

"Rãrãm... eles vão ser muito felizes.", foi o que Ser Roque viu após o diálogo revelador. Já avisei minha irmã.

Após falar um pouco mais sobre minha família, perguntou se eu queria saber mais alguma coisa. Eu dei a consulta por encerrada. Minhas convicções continuaram evidentemente as mesmas de antes da consulta. Videntes são charlatões.

Se você conhece algum vidente daqueles que "sabe tudo", me avise que vou visitá-lo. Certamente será divertido. Com a experiência acumulada, pretendo abrir meu próprio serviço de clarividência e iluminar todas almas sedentas por saberem o futuro.

Já dizia alguém: fazer previsões é complicado, especialmente sobre o futuro.

sábado, janeiro 26, 2008

Heath Ledger e os Leões


Quando comecei a ver o 7º documentário seguido, no mesmo dia, sobre leões, me dei conta de duas coisas:

1) Eu não gosto tanto assim de leões
2) Eu preciso fazer outra coisa

Resolvi escrever. Acho que isso vai impedir a morte iminente de metade da minha massa cerebral após tantas horas vendo o Discovery Channel. Evitei o BBB porque nem meu plano de saúde cobre morte cerebral completa.

Mas antes uma informação importante: para que nasça um único leãozinho, é necessário que ocorram cerca de 3.000 cópulas entre um casal de leões. Sim, o leão, além de rei da floresta é um verdadeiro rei da cama.

Se por um lado isso dá vontade de querer ser um leão, por outro lado... ai, de novo! Por que a gente não dorme um pouco?

Não, chega de leão! Nem tigre, puma, leopardo, pantera, chita, jaguatirica ou gato do mato. Afinal, qual é a fixação dessa gente com o leão? Começo a desconfiar de um fundo sexual nessa obsessão. É o leão isso, o leão aquilo, o leão persegue a gazela (na verdade é a leoa, pois o leão fica aguardando o prato ser morto), o leão mata a gazela, o leão come a gazela, o leão dorme, o leão acorda, o leão copula, o leão copula, o leão copula, o leão copula, o leão copula... o que? Eu, obcecado?

***

Mas quando veio o comercial do Ab Shaper, saí da minha hipnose, dei uma zapeada, e no Telecine vi um comercial que me fez lembrar de algo que me entristeceu nestes últimos dias. Heath Ledger. A morte abrupta de Heath Ledger.

É natural que fiquemos chocados com uma morte tão repentina, inesperada, de alguém tão jovem e bem sucedido. Mas seria ele feliz? Ao que parece, o ator enfrentava uma crise de depressão após sua separação, e foi encontrado na cama ao lado de vários comprimidos, indicando um possível suicídio. Fosse a causa que fosse, fiquei com a impressão de que me senti mais triste do que deveria, ou esperaria ficar.

Não tenho como fugir, no entanto, do que talvez seja a causa mais profunda dessa tristeza. Heath Ledger simplesmente me parece uma cópia de meu primo Fabio, que também morreu trágica e abruptamente. A semelhança é impactante para mim. Ambos jovens, ambos bonitos, ambos carismáticos. Pode ser que eu só esteja arranjando explicações para o que não sei, mas o fato é claro: um me lembra o outro. E com isso vêm todas memórias de momentos compartilhados, de afetos multiplicados, de risadas nascidas da mais profunda conexão. A morte nos lembra da fragilidade de qualquer vida, da preciosidade dos poucos momentos em que estamos aqui, lembra, enfim, de nossa própria mortalidade, incompreensível mas absoluta. Não é a toa que ficamos tanto tempo fuçando a vida íntima dos leões.

Nossa vida é uma sucessão de perdas. Pessoas de quem gostamos nos deixam. Outras crianças roubam nossos brinquedos. E seguimos vivendo, com buracos n'alma e sem alguns chocalhos. Ao fim, nem Christian Dior consegue remendar nossos trapos. Mas também, todos esses buracos não necessariamente tornam a peça inutilizável. De alguma forma misteriosa, sua falta pode nos levar a compensar sua ausência com mudanças mais profundas. E nunca tornamos a ser os mesmos.

O que tudo isso quer dizer? Fora o fato óbvio de que filosofia não é meu forte, pode significar muitas coisas. Gosto de pensar que, como Henfil disse, se não houver frutos, valeu a intenção da semente. Que sou grato por ter vivido com tantas pessoas fantásticas, mesmo que tenha já perdido muitas e vá perder ainda mais. Que isso leve a uma tentativa de aceitação da mortalidade, nossa e dos outros - digo tentativa, porque acho que de certa forma nunca nos conformamos, e isso é bom. Para alguns, o conforto é a vida eterna. Para mim, o conforto é ter tido o privilégio de simplesmente ter vivido. Isso, sim, é um milagre.


"Prefiro antes os desacertos do intento às certezas da inércia".
Pe. Antonio Vieira.

Veja o vídeo de Brokeback Mountain, com a belíssima música de Gustavo Salaolalla, The Wings.