sábado, janeiro 26, 2008

Heath Ledger e os Leões


Quando comecei a ver o 7º documentário seguido, no mesmo dia, sobre leões, me dei conta de duas coisas:

1) Eu não gosto tanto assim de leões
2) Eu preciso fazer outra coisa

Resolvi escrever. Acho que isso vai impedir a morte iminente de metade da minha massa cerebral após tantas horas vendo o Discovery Channel. Evitei o BBB porque nem meu plano de saúde cobre morte cerebral completa.

Mas antes uma informação importante: para que nasça um único leãozinho, é necessário que ocorram cerca de 3.000 cópulas entre um casal de leões. Sim, o leão, além de rei da floresta é um verdadeiro rei da cama.

Se por um lado isso dá vontade de querer ser um leão, por outro lado... ai, de novo! Por que a gente não dorme um pouco?

Não, chega de leão! Nem tigre, puma, leopardo, pantera, chita, jaguatirica ou gato do mato. Afinal, qual é a fixação dessa gente com o leão? Começo a desconfiar de um fundo sexual nessa obsessão. É o leão isso, o leão aquilo, o leão persegue a gazela (na verdade é a leoa, pois o leão fica aguardando o prato ser morto), o leão mata a gazela, o leão come a gazela, o leão dorme, o leão acorda, o leão copula, o leão copula, o leão copula, o leão copula, o leão copula... o que? Eu, obcecado?

***

Mas quando veio o comercial do Ab Shaper, saí da minha hipnose, dei uma zapeada, e no Telecine vi um comercial que me fez lembrar de algo que me entristeceu nestes últimos dias. Heath Ledger. A morte abrupta de Heath Ledger.

É natural que fiquemos chocados com uma morte tão repentina, inesperada, de alguém tão jovem e bem sucedido. Mas seria ele feliz? Ao que parece, o ator enfrentava uma crise de depressão após sua separação, e foi encontrado na cama ao lado de vários comprimidos, indicando um possível suicídio. Fosse a causa que fosse, fiquei com a impressão de que me senti mais triste do que deveria, ou esperaria ficar.

Não tenho como fugir, no entanto, do que talvez seja a causa mais profunda dessa tristeza. Heath Ledger simplesmente me parece uma cópia de meu primo Fabio, que também morreu trágica e abruptamente. A semelhança é impactante para mim. Ambos jovens, ambos bonitos, ambos carismáticos. Pode ser que eu só esteja arranjando explicações para o que não sei, mas o fato é claro: um me lembra o outro. E com isso vêm todas memórias de momentos compartilhados, de afetos multiplicados, de risadas nascidas da mais profunda conexão. A morte nos lembra da fragilidade de qualquer vida, da preciosidade dos poucos momentos em que estamos aqui, lembra, enfim, de nossa própria mortalidade, incompreensível mas absoluta. Não é a toa que ficamos tanto tempo fuçando a vida íntima dos leões.

Nossa vida é uma sucessão de perdas. Pessoas de quem gostamos nos deixam. Outras crianças roubam nossos brinquedos. E seguimos vivendo, com buracos n'alma e sem alguns chocalhos. Ao fim, nem Christian Dior consegue remendar nossos trapos. Mas também, todos esses buracos não necessariamente tornam a peça inutilizável. De alguma forma misteriosa, sua falta pode nos levar a compensar sua ausência com mudanças mais profundas. E nunca tornamos a ser os mesmos.

O que tudo isso quer dizer? Fora o fato óbvio de que filosofia não é meu forte, pode significar muitas coisas. Gosto de pensar que, como Henfil disse, se não houver frutos, valeu a intenção da semente. Que sou grato por ter vivido com tantas pessoas fantásticas, mesmo que tenha já perdido muitas e vá perder ainda mais. Que isso leve a uma tentativa de aceitação da mortalidade, nossa e dos outros - digo tentativa, porque acho que de certa forma nunca nos conformamos, e isso é bom. Para alguns, o conforto é a vida eterna. Para mim, o conforto é ter tido o privilégio de simplesmente ter vivido. Isso, sim, é um milagre.


"Prefiro antes os desacertos do intento às certezas da inércia".
Pe. Antonio Vieira.

Veja o vídeo de Brokeback Mountain, com a belíssima música de Gustavo Salaolalla, The Wings.