terça-feira, maio 18, 2010

Mulher que é mulher


Mulher que é mulher não gosta de conversar. Conversar implica uma troca entre duas pessoas. Mulher que é mulher gosta de falar. Falar muito. Mas só ela. Fala pelo outro, fala pelos outros. Se o homem que é homem ouvir, melhor - mas ele não ouve, porque homem que é homem continua prestando atenção no futebol.

Mulher que é mulher (a partir de agora, MQEM) não discute a relação. Discute tudo. A relação, a falta de relação, o excesso de relação, o início da relação, o meio da relação, o fim da relação. Discute até quando não tem mais relação. MQEM adora falar de outra MQEM. Falar mal. Das roupas, do sapato, da maquiagem, dos cabelos, dos maridos, dos amantes, da magreza, da gordura, da vulgaridade, da santidade.

MQEM não fala ou tem dúvidas sobre o que vestir. Isso se tiver menos de 3 anos. Assim que passa a falar e poder escolher, MQEM faz análises, comparações, contrapontos, perguntas, questionamentos e teorias a cada peça de roupa a usar. Naturalmente, o homem que é homem concorda com qualquer escolha, desde que não mostre o decote.

MQEM não fala sobre filmes. Chora. Vendo romance, drama, comédia, terror, guerra, ação, desenho, documentário. Chora vendo trailer de filme. Até vendo a propaganda antes do trailer do filme.

MQEM não fala ou se preocupa com a forma. Se horroriza, atormenta, perde o sono, desespera. Então, MQEM não faz dieta. Vive em dieta. Dieta do abacaxi, da sopa, da proteína, do Dr. Atkins, da Jane Fonda, do sol, da lua, das estrelas.

MQEM não pára de falar. Ou melhor, pára, mas não por falta de vontade ou assunto. Pára por exaustão. No fundo, talvez, a MQEM não goste de falar, mas como o homem que é homem não fala, ela não tem opção. Por isso, vou parar de falar, porque a sala está cheia de mulheres que são mulheres. E já estão começando a me olhar feio.

Crônica desenvolvida na Oficina de Crônicas, do Carpinejar, em São Paulo, 14/5/2010, a partir da crônica "Homem que é homem", de Luis Fernando Verissimo