quarta-feira, agosto 25, 2010

O que aprendi com a Mariana Weickert



Se você não sonhar alto, provavelmente não vai chegar longe.

Em 2004, eu estava sonhando alto. Literalmente. Estava à bordo de um avião vindo para São Paulo para uma reunião na CUT (!) sobre uma análise de mercado dos sindicatos (!). Peguei a Zero Hora, e cai um encarte da C&A no chão, com fotos da então embaixadora da marca, Gisele Bundchen. Por algum motivo, eu estava obcecado pela Gisele. E aquilo me pareceu um sinal.

Acabada a reunião, peguei um táxi para Congonhas, junto com os publicitários que tinham me contratado. Perguntei se já tinham visto a Gisele. Não, não tinham. Mas eu não iria desistir tão facilmente da minha investigação.

Chegando em Congonhas, passo na livraria, e quem está lá? Sim, você errou. Não era a Gisele. Era a Mariana Weickert. A moça chama a atenção, como aliás qualquer modelo fora as modelos de pé. Não a achei bonita na verdade, ela tem um nariz estranho e um que de assimetria.

Ela escolheu um livro e foi para a fila, cheia de malas Luis Vitão e talicoisa. Eu peguei uma revista e fui atrás. E agora? O que eu faço? Seria bacana puxar um papo só para dizer que conheci uma modelo famosa. Ah, mas vai fazer isso pra ver como é difícil. A fila andava, e eu ali, tenso, ansioso, praticamente suando. Chegou a vez dela pagar. Ela sacou a carteira e puxou um cartão Visa Infinite Black, sem limite, algo que nunca mais vi na vida.

Eu não podia esperar mais. Era agora a hora. 

- Rã, rãm. Muito bom esse livro que você está comprando [não era Paulo Coelho nem O Pequeno Príncipe]
- Ah sim, me disseram que é bom.
- Ei, você não é aquela modelo? Mariana hmmm..
- Weickert
- Sim sim!
- Sou eu mesma.
- Legal!

[Pausa na conversa. Ela estava sendo muito simpática. Mas eu não tinha acabado minha missão.]

- Vem cá. Você conhece a Gisele, certo?
- Gisele?
- É, Gisele Bundchen.
- Sim
- É sua amiga?
- Sim
- Me diz uma coisa...
- Claro
- Por acaso você não teria o e-mail da Gisele?

Pausa. 

Acreditem em mim, eu realmente falei isso e definitivamente não me orgulho nem um pouco. Acontece que obsessão é uma coisa assim, meio obsessiva. Ah, é tão fácil olhar para o passado e ver nossos erros.

E qual foi a reação da Mariana? Ela pegou um papel, sacou sua Monblanque e anotou o e-mail da Gisele no verso do cartão dela?

Quase isso. Ela falou assim, não exatamente com muita calma:

- Tu é um freak, brother! Vai ler um livro, vai correr, passear no parque, vai tomar um banho de sol! 
[Obs: eu estava com falta de vitamina D]

E se foi com suas Luíses Vitões pelo saguão.

Embarquei de volta a Porto Alegre me sentindo tão ridículo que resolvi escrever uma carta me desculpando pelo absurdo. Nunca enviei - ainda bem pois isso seria ainda mais ridículo. Em 2005, voltei a São Paulo e fui almoçar com colegas no Restaurante Na Mata, conhecido por ter um staff de modelos. E quem estava lá? Sim, Mariana Weickert. Achei de bom tom (bom não, ótimo tom) não falar com ela. 

O que eu aprendi com a Mariana Weickert então foram duas lições, uma óbvia e a outra nem tão óbvia.

1 - Nunca peça o e-mail de uma modelo famosa para outra modelo famosa.

2 - Se você sonhar alto, mas não tiver os pés no chão, provavelmente vai sair voando por aí. E se estatelar no solo. 

Depois disso tudo, minha obsessão com a Gisele Bundchen acabou, continuei lendo livros como sempre fiz, mas resolvi tomar mais banhos de sol. É bom.

terça-feira, agosto 17, 2010

Como me tornei um velho ao dirigir, sem perder a juventude

Califórnia. Pacific Coast Highway. A caminho de San Franciso. Num Dodge Charger. Um abril de 2009 mágico.
Mudar um hábito ou comportamento é difícil mas é possível. Parar de fumar, emagrecer, se exercitar. Parar de correr no trânsito também é possível. Sei porque eu mudei.


Basicamente um dia achei que estava gastando muita gasolina. 6 km por litro não é uma marca muito boa, e o computador de bordo estava indicando isso. Então resolvi que ia tentar aumentar essa média. Pra conseguir isso foi preciso andar mais devagar, sem pressa.


Já faz mais de um mês que mudei completamente meu estilo de dirigir. Já consegui melhorar a média para 6,2 km por litro. Sim, foi pouco, mas foi um grande passo para mim. E quer saber? Continuo chegando nos lugares. Agora com mais tranquilidade e economizando mais. Não quer dizer que não vou dar uma acelerada de vez em quando. Mas vai ser uma ocasião especial.


Como foi aliás a odisséia para deixar minha prima Yara no aeroporto de Guarulhos neste domingo. Às 14:35 estávamos saindo do restaurante para chegar no aeroporto por volta de 15:15. Mas eis que chega uma mensagem de minha afilhada Aline (minha prima e afiliada espiritual pois fui padrinho de crisma dela e naquele instante passei a ela toda fé que porventura eu ainda tivesse). Ela acabava de pousar em Congonhas para pegar uma conexão a Joinville. E aí não tivemos dúvida: vamos dar uma "passadinha" para dar um "oi", bem rapidinho.  Tínhamos que estar em Guarulhos no máximo 15:30 - o vôo da Yara saía às 16 hs - ou seja, exatamente no limite do permitido pela legislação.


Depois de um oi, dois ois, conversas risadas, fotinho, carro perdido no estacionamento, etc... saímos de Congonhas às 15:05. Ou seja, o trajeto entre Congonhas e Guarulhos, 39 km, teria que ser percorrido em menos de 25 minutos para dar tempo de chegar ao balcão do check-in. Não é exatamente a coisa mais fácil, mesmo em um domingo nublado e frio em São Paulo.


É nestes momentos que a Rodovia Ayrton Senna faz jus a seu nome, e se transforma numa verdadeira Autobahn alemã. E uma Autobahn não tem limite de velocidade. A qualidade da pista é ótima, larga, nova, e sem muito trânsito. Então foi preciso acelerar um pouco. E conseguimos. Deixei a Yara no portão de embarque às 15:28, e minutos depois ela me ligou dizendo que tinha conseguido.


Agora eu estava livre para voltar a dirigir como um velho num domingo procurando um endereço numa rua desconhecida à noite sem óculos.


But...


O domingo ainda não tinha acabado. E eu precisava ainda encontrar uma pessoa que estava me esperando. Uma pessoa muito especial para mim. E a Autobahn ainda estava (relativamente) livre. Então aproveitei o puro prazer de dirigir à luz de um sol preguiçoso em um domingo que seria ainda mais especial.


A solução não é correr. É sair antes. E chegar.


Mas se eu estiver numa Autobahn - e uma pessoa importante estiver me esperando - esticar um pouco mais a marcha será sempre um prazer.

quarta-feira, agosto 11, 2010

Não dizer não quer dizer não sentir



Mas como não é assim, ela saiu. Sem olhar para trás. Sem dar tchau. Sem nem ao menos fazer menção de tchau. Como se nunca, nada houvesse acontecido.

Então pegou o carro.

Acelerou,

Ligou o rádio,

Trocou de estação,

Gritou,

Aumentou o volume,

Acelerou ainda mais,

Aumentou o volume ainda mais,

Cantou,

Acendeu um cigarro,

Olhou o celular,

Mexeu na bolsa,

===================== Freou.

Parou.

E voltou.

sábado, agosto 07, 2010

Mas não foi isso que eu quis dizer...



Já é difícil o bastante decifrar uma mensagem quando estamos de cara a cara com alguém. Quando estamos distantes então, as dificuldades se multiplicam. A questão é aquela que todo mundo sabe: a comunicação é falha (mas é nossa vida, como diz o slogan de uma grande empresa :)

Fiquei pensando nisso porque já vi tantas vezes comunicações falhas arruinarem relacionamentos. Ou se não arruinaram, pioraram bastante. Se você vivesse na Grécia antiga e quisesse falar com sua Helena ou Heleno, teria que falar cara a cara. Ou escrever uma carta rudimentar em papiro ou argila, o que não foi um grande estímulo à indústria dos correios na época. Se você vivesse na Inglaterra Vitoriana, da mesma forma, teria que escrever uma carta - só que dessa vez já seria mais fácil escrever, enviar e receber resposta. 

E hoje? Hoje você pode falar cara a cara, webcam a webcam, iphone4 para iphone4, msn a msn, gmail a gmail, facebook a facebook, twitter a twitter, sms a sms, e até mesmo por carta. Mas quem escreve cartas hoje em dia? Fico pensando naqueles romances antigos, em que os amantes trocavam longas cartas, longas mesmo, do tipo que hoje faria sua mão doer de tanto escrever. 

Certamente havia conflitos, problemas de entendimento, mas suponho que tudo tivesse que ser mais explicado, mais bem construído, mais estruturado, pois não havia chance de você dar uma réplica instantânea, ou pegar o telefone e ligar na hora para esclarecer algum ponto duvidoso. Se hoje ficar alguma dúvida, você responde na hora. Ou liga na hora. Se isso permite resolver imbróglios de forma mais rápida, também permite criar confusão de forma quase instantânea, a partir de uma vírgula no lugar errado ou da falta de um :) ao final de uma observação irônica. Aliás, a ironia frequentemente pode virar contra o "ironeiro".

E como nos comunicamos hoje então? Pior do que antigamente? Diria que não. A comunicação e as tecnologias de comunicação mudam o tempo todo. As consequências de cada mudança são difíceis de prever. Hoje podemos acabar um relacionamento por sms, em vez de usar uma carta. Mais brutal? Talvez. Errado? Quem sou eu para julgar. Indelicado? Definitivamente. 

A tecnologia e a facilidade de comunicação não botaram por terra a necessidade de sermos dignos, educados, civilizados. O que elas fazem é facilitar a indelicadeza que existe em cada um de nós, aproveitando-se de nossa capacidade inata para emocionarmo-nos de formas imprevisíveis. O que eu quero dizer com isso? Pense naquela ligação que você fez às 4 da manhã para sua ex saindo bêbado de uma balada. Certamente Sócrates não passou por essa.

quarta-feira, agosto 04, 2010

Somos culpados, mas de quê?


Pesquisa mostra que a culpa mais dolorosa é o lamento por não termos agido como queríamos 
por Contardo Calligaris

A MELHOR polícia do mundo não conseguiria manter a ordem se respeitássemos as leis só por medo da punição. A sociedade funciona (mais ou menos) porque infrações e crimes despertam não só a PM e a PF mas também nossa consciência: a perspectiva do arrependimento nos inibe.
O problema, como Freud constatou, é que a gente se culpa mais do que é necessário: enxergamos crimes onde não há, consideramos que nossas vagas intenções e nossos sonhos noturnos já são delitos e nos castigamos para aliviar os tormentos de nossa culpa. Seja como for, até os anos 60, o sentimento de culpa -necessário ou patológico e excessivo- parecia ser só isto: o arrependimento por ter desrespeitado uma norma ou uma autoridade.
Em seu seminário (um pouco críptico) de 1959-60 ("A Ética da Psicanálise", Zahar), o psicanalista francês Jacques Lacan propôs algo diferente: a culpa mais relevante e mais sofrida surgiria não por termos desobedecido a uma norma, mas por termos neglicenciado nosso próprio desejo, por termos desistido de agir como queríamos. Podemos nos arrepender de nossas transgressões, mas lamentamos, mais amargamente, as ocasiões perdidas.
Era uma pequena revolução no mundo da clínica. De fato, o sentimento de culpa é onipresente (ou quase), e as transgressões, em geral, são poucas. É lógico, portanto, que a culpa que nos atormenta seja sobretudo um efeito de nossa covardia (que é crônica), e não de nosso atrevimento (que é raro).
Pois bem, no ano passado, Ran Kivetz e Anat Keinan publicaram uma pesquisa que confirma experimentalmente a intuição de Lacan (que, claro, eles não leram): "Repenting Hyperopia: an Analysis of Self-Control Regrets" (Hipermetropia Pesarosa: uma Análise dos Arrependimentos do Autocontrole, "Journal of Consumer Research", vol. 33, setembro 2006).
Em três protocolos de pesquisa, Kivetz e Keinan confirmaram o seguinte: 1) todos condenamos as decisões que só enxergam o prazer imediato sem levar em conta as conseqüências futuras (desde comer a segunda fatia de bolo ou gastar dinheiro que não temos até cometer um pecado pelo qual responderemos na porta do purgatório); 2) mas essa condenação é fugitiva, efêmera: a longo prazo (depois de um ano, por exemplo), considerando a decisão que nos pareceu sábia (não comer a segunda fatia de bolo, não gastar, não pecar), o que prevalece é o arrependimento por ter perdido uma ocasião, por não ter agido segundo nosso impulso ou desejo.
Na metáfora ótica usada por Kivetz e Keinan, sabemos que nossos impulsos são míopes (só enxergam a satisfação do momento) e achamos certo agir como hipermetropes (o que, em geral, significa deixar de agir, focalizando e receando as conseqüências afastadas de nossos atos); a curto prazo, nós nos felicitamos por ter pensado no futuro, enquanto, a longo prazo, lamentamos ter sido hipermetropes e desperdiçado satisfações que estavam ao nosso alcance imediato.
Kivetz e Keinan sugerem uma explicação: a longo prazo, os atos passados são integrados numa espécie de balanço de nossa vida, em que devemos decidir se a corrida foi boa, se valeu a pena. Nesse balanço, o lamento pelas coisas que queríamos e não ousamos fazer pesaria mais que o mérito das "sábias" decisões que comandaram nossas desistências.
De qualquer forma, o fato é que o arrependimento por não ter escutado o desejo parece falar mais alto e por mais tempo do que o arrependimento por ter ousado transgredir. Seria aventuroso concluir que, para não se arrepender no futuro, a gente deveria atuar qualquer desejo.
Mas resta uma suspeita, ou melhor, uma lição: freqüentemente, as razões que mantêm nosso comportamento nos padrões esperados (obediência à ordem social, a nossos pais, à tradição etc.) são apenas racionalizações de uma covardia da qual nos arrependeremos um dia.
Para entender plenamente o alcance da pesquisa, esqueça a segunda fatia de bolo, os gastos e os pecadilhos (exemplos triviais usados na experiência) e pense em decisões cruciais de sua vida: uma mudança de carreira à qual você renunciou porque teria desapontado ou preocupado seus próximos, uma paixão amorosa que você calou porque teria encontrado a desaprovação dos mesmos. Pois bem, a longo prazo, essas desistências doem mais do que doeria a culpa por ter transgredido normas e expectativas, seguindo nosso desejo.


O Calligaris é muito bom, recomendo a leitura de sua coluna na Folha às quintas. Outro texto que toca em assunto similar é este, que fala sobre as dificuldades (e infelicidades) de ser pai.