segunda-feira, outubro 29, 2007

O que aprendi sobre escolher uma carreira

Não é boa a sensação de ter perdido tempo. Dizer que o tempo não se perde, ou que simplesmente passa, que sempre se aprende algo, "a experiência me ensinou muito", às vezes só irrita em vez de consolar. Às vezes não se aprende nada, às vezes não existe lado positivo e simplesmente se perde tempo. Meus alunos de marketing devem conhecer bem essa sensação.

E escolher uma carreira pode ser muito frustrante. Algumas pessoas levam muito tempo para descobrir algo que as satisfaça. Outras nunca descobrem, e na verdade é possível se sentir muito feliz mas sempre há momentos que enchem o saco, momentos de dúvida, de crises existenciais.

Eu pelo menos me questiono a toda hora se não deveria ter seguido a carreira musical com minha banda, a Falcatrua, e ter me suicidado aos 27 anos - a idade limite para virar uma lenda do rock (Morrison, Hendrix, Cobain, Joplin, et ali). O detalhe de que eu estaria morto há 4 anos me fez rever essa opção.

E quando chegou a hora de escolher de verdade, antes do vestibular, descobri que não tinha a mínima idéia do que eu queria "ser". Já tinha passado pela fase desenhista, médico (ginecologista, óbvio), cientista... A carreira que eu queria mesmo era não fazer nada e ser vagabundo. Não sabia na época que esse também era o objetivo do LFV, e foi muito bom saber que não estou sozinho no mundo.

Virar vagabundo, no entanto, é um pouco complicado, como descobri ao fazer o mestrado em marketing, há 3 anos. Dias inteiros vendo tevê. Acordando às duas da tarde. Navegando na internet. Tomando sol no Parcão. Jogando tênis na Hidráulica. Arrumando os armários. Colocando os livros em ordem alfabética, separados por assunto. Tudo, absolutamente tudo eram atividades urgentes e importantíssimas, a dissertação naturalmente tinha que ficar em segundo plano até eu decidir se separava as camisas por cor ou por estilo. Quando cansei de tanta atividade estafante, me dediquei à dissertação por 2 semanas, uns 6 meses depois que o prazo tinha acabado. Passei com B. Fico com medo de que o MEC descubra isso algum dia, casse meu título e exija de volta o dinheiro da bolsa. Por favor, não avisem.

***

Outro período importante foram os 4 anos enrolando na faculdade de arquitetura - minha primeira escolha no vestibular - o que de certa forma foi um tempo perdido. Eu seguia uma estratégia cuidadosamente calculada para não deixar de ser sustentado por meus pais e poder me dedicar à tarefa importantíssima de virar Monkey Island 2 por meus próprios méritos, sem olhar o roteiro passo-a-passo. Minha salvação foi que a UFRGS implantou a política do jubilamento, e se o aluno rodasse muito ou demorasse para se formar, digamos uns 15 anos, seria expulso. Eu tinha colegas que estavam "estudando" há uns 12 anos e eu parecia me direcionar para este caminho.

Visualizando então minha cerimônia de jubilamento, resolvi rodar mais algumas vezes e ver o que acontecia. Afinal, vejam só, jubilamento, que nome bonito e imponente. Pronuncie cada sílaba para ver, JU-BI-LA-MEN-TO. É um evento cósmico, um feito majestático, um dia pra se vestir como rei, nada daquela coisa bagaceira de formatura e toga. "E agora quero chamar meu colega Heleno". E lá ia eu, vestido com uma capa bordada a ouro, botar minha coroa - jubilamento exige coroa, no mínimo. "Pelos poderes a mim investidos, como reitor magno desta universidade, eu o declaro JUBILADO".. tambores.. fogos de artifício.. fotos.. reconhecimento da sociedade.. choro...

OK, minha imaginação é bem colorida.

O que aprendi então sobre escolher uma profissão?

- Prolongue até o limite a escolha, de preferência não escolha nada e seja sustentado por alguém.

- Se for obrigado a escolher, não vá pra arquitetura ou ramos afins que exigem muito trabalho e estudo. Escolha administração, como eu fiz depois de abandonar a arquitetura. É um curso mais fácil do que pintar com têmpera no jardim de infância, com a diferença de que essas pinturas têm um sentido mais concreto do que daunsaizin, gerar valor, alavancar os assets, e fazer um planejamento estratégico para estartar um tãrn-araund baseado no bélence-escór-cardi embasado nos córi-vélius, e outros termos tão comuns em bízines.

- E, o mais importante, treine para ficar lendo colunas sobre celebridades ou esportes durante todo dia na firma e ainda assim aparentar que está trabalhando em algo muito profundo. Se for mestre mesmo, aprenda a deixar recados e bisbilhotar o orkut através de uma planilha excel. Afinal, o que é urgente não pode esperar.

Só não esqueça de deixar um recado pra mim.

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