"A maior felicidade da vida é termos a convicção de que somos amados - amados pelo que somos, ou melhor, amados apesar do que somos"
Victor Hugo, Les Misérables
A vida é dura, amigos. |
Não sei você, mas pra mim, o problema do eu te amo, principalmente do primeiro eu te amo num relacionamento* é a pesada carga simbólica implícita que ele carrega, advinda de milhares de filmes, livros e histórias açucaradas**. Em português claro agora: quando uma pessoa ouve eu te amo, na verdade o que ela entende é algo parecido com "você é a pessoa mais importante do mundo pra mim, minha única metade da laranja, o chinelo velho pro meu pé torto, e isso vai ser assim hoje e amanhã e sempre, até o fim do universo ou dos especiais de fim de ano do Roberto Carlos, o que durar mais tempo." Se você não é casado, antenas ligadas hein. O pedido de casamento já está um pouco implícito aí. Se você já é casado, relaxa: tá no inferno, abraça o capeta.
Sei lá. Por via das dúvidas, prefiro economizar meus eu te amos. Mas da mesma forma, poderia gastar mais. Sem medo de rejeição. Sem implicações de duração. Sem insinuações de eternidade. Sem sugestões de "até que a morte nos separe". Uma única implicação: eu gosto muito de você e estou muito feliz por te ter na minha vida, não importa quanto tempo isso durar. Tá, mas vai explicar tudo isso pra moça na hora pra ver o bug que dá. E algumas pessoas querem ouvir eu te amo sempre, toda hora, todo santo diazinho, como que para confirmar que, bem, que são amadas, amadinhas, pitchutchucazinhas. Assim, eu te amo vira uma frase automática, cotidiana, domesticada. "Sim, eu te amo. Agora me passa o sal, please?"
O grande dilema, o momento da verdade, o momento do "se correr o bicho o pega, se ficar você já sabe o que acontece" é aquele mesmo, a primeira vez em que você, minha amiga***, toma coragem, respira fundo e tasca o eu te amo à queima roupa do sujeito, inesperadamente, não deixando possibilidade de fuga ou de que ele finja não ter ouvido. E aí o felizardo, ou apavorado, do outro lado tem que dizer algo. Ao menos espera-se que diga. Mas pode simplesmente sorrir de satisfação (ou nervoso) e tascar um beijo pra passar logo o momento #tenso.
E se ele responder algo mas não for eu te amo? Tem que ver isso aí. Possíveis traduções de algumas respostas alternativas ao eu te amo:
- "eu te adoro" ==> hey, eu gosto muito de você, mas também não vamos exagerar
- "eu gosto muito de você" ==> você é legal, mas se falar eu te amo mais uma vez, eu sumo, mudo meu celular e te bloqueio no feici
- "eu também" ==> eu também ME amo
- "ah é?" ==> é óbvio que você me ama, todos me amam.
- "mas eu não te amo" ==> mas eu não te amo.
- "então..." ==> fudeu mesmo.
- "idem" ==> Corra, Lola, corra!
- ... cri... cri... cri...
Por que? Simples. O amor não é uma frase, não é um contrato, não é uma casa, não é um papel assinado no cartório, não é um relacionamento sério no facebook, não é um anel de diamantes, não é um buquê de rosas vermelhas e, muito, mas muito definitivamente mesmo, não é um casamento lindo e caro pra cacete, como são os casamentos hoje em dia. O amor é apenas um sentimento (sem dúvida, O sentimento), um bem querer, um estar feliz só por estar com alguém e estar feliz pelo outro estar feliz, e triste pelo outro estar triste, e se apoiar mutuamente e talicosa. Sim, é mais complexo do que essa definição meio tosca, mas deu pra passar o sentido. Agora, você já pensou com carinho no coitado do eu te amo? Abusado, desgastado, exigido por todos em todos lugares a todas horas. Minhas amiguinhas, não podemos pegar tão duro com o sujeito! Tem que dar espaço pro eu te amo respirar e se sentir tranquilo.
E vê bem. Se você não percebe eu te amo nas coisas banais, é porque talvez esse amor não exista. Mas às vezes, um olhar, um afago, um gesto, um beijo, uma risada, uma cutucada, um ãhn, um ai, um tchu, um tcha; uma preocupação singela com algo aparentemente insignificante... Tudo isso pode ser um eu te amo muito mais forte e sincero do que vários eu te amo regurgitados por aí. O eu te amo também se faz ouvir em algumas situações não tão banais, como por exemplo, quando você vai correr com ela nas areias do Imbé, às 6 da manhã de um dia meio frio, com um puta vento, tendo como recompensa a vista de um mar revoltoso e chocolático, ao mesmo tempo em que suas canelas vão sendo limadas pelo nordestão e sua boca se enche de areia. E você faz isso, amigo, só porque, bem, só porque ela insiste que tem que queimar as (míseras) calorias que ganhou na ceia de Natal e ficar linda pro réveillon e arrasar depois na Wari e... Ah se esses sacrifícios não são eu te amos daqueles imeeeeensos, minhas amigas, eu ensaco a viola e me voy pra outros prados. (Mais exemplos ali embaixo no rodapé****).
Se você precisa - e aqui eu quero dizer "precisa" no sentido de "precisa precisa mesmo" - se você precisa mesmo ouvir um eu te amo pra ficar tranqüila, pra se sentir amada, pra se sentir segura, eu suspeito que você deva ter sérias dúvidas sobre seu valor, sobre se merece ser amada, sobre se realmente está em um relacionamento "sério de verdade", e por aí segue o baile. Enfim, sua cabeça deve ser como a minha, que fica cheia de minhoquinhas por qualquer titica de nada - e naturalmente nenhuma dessas minhoquinhas é coisa boa (chama "catastrofismo" esse pensamento minhocal, um velho conhecido meu).
Só que, qual a criatura que nunca fica insegura no amor? E qual o vivente que não fica feliz ao ouvir um eu te amo, daqueles de boca cheia - uma frase tão bonita, mesmo que banalizada? Se existe o sentimento, é ótimo e natural poder dizer e retribuir. Oras bolas, não é a coisa mais difícil do mundo balbuciar três palavrinhas. Do alto do meu habitual dramatismo e exagero eu penso: vamos lá, ninguém vai morrer falando ou ouvindo um eu te aminho*****.
Mas vamos lembrar de uma coisa: não existe nenhuma lei, que eu saiba, que exija a enunciação do eu te amo, que valide o eu te amo como a prova dos 9 (ou dos 69) do amor. As pessoas não tem o dever de nos amar e, mesmo que amem, não tem nenhuma obrigação de dizer eu te amo. Sim, minha amiga, eu sei e concordo contigo: a vida é dura. Lembra que a vida não tem nenhum compromisso com a nossa felicidade. O universo é indiferente à nossa condição objetiva e subjetiva - em bom e chulo português, o universo está cagando e andando pra ti, pra mim e até pro Papa. E deus, bom, esse já picou a mula faz tempo.
Eu desejo, eu realmente desejo, que você se sinta amada sem ter que necessariamente ouvir eu te amo. Se ouvir, que bom. Mas lembra sempre que palavras são palavras, não são AS coisas. Uma rosa é uma rosa é uma rosa. Você pode chamar a rosa por outro nome, mas ela vai continuar sendo aquela mesma coisa. Cuidado com as ilusões. Eu te amo pode ser apenas uma mentira, uma enganação, tão falso quanto uma nota de 3 reais ou um "claro, a gente se fala". Não se iludam, meus amigos. Nenhum eu te amo no mundo vai criar amor por geração espontânea ou tampouco vai resgatar um amor falido, um amor esgotado, um amor natimorto.
No fim-bem-no-finzinho de todas as contas, uma coisa é tão certa quanto os especiais do Rei a cada ano. Você pode ser feliz sem ouvir eu te amo. Você pode ser feliz sem dizer eu te amo. Mas você não pode ser feliz sem amar e ser amado.
Um Feliz 2013 à todos, com todas aquelas coisas de sempre, mas principalmente com muito amor, do tipo e tamanho que for.
<3 S2 <3 S2 <3 S2 <3 S2 <3 S2 <3 S2 <3 S2 <3 S2 <3 S2 <3 S2
* Ao contrário do que 99,9% da população acredita, geralmente são os homens, e não as mulheres, que dizem o primeiro eu te amo em uma relação.
http://super.abril.com.br/
** Se Hollywood fosse uma empresa, seu slogan seria algo como "Hollywood, criando ilusões bestas e finais felizes desde sempre". Aliás, eu acho que o cinema é uma das coisas que mais fodeu com nossas cabeças quanto a modelos de amor e sexo, sobre expectativas do que é bacana, de como é um relacionamento, de como o sexo nunca é sujo e todos casais sempre gozam ao mesmo tempo, de como o amor SEMPRE passa por cima de TODAS dificuldades, e tudo mais. Com raríssimas exceções, os filmes de Hollywood são uma grande bosta, e a moderna comédia romântica é um dos gêneros mais estúpidos e infantis e danosos de todos os tempos, com raras exceções como "De Repente É Amor" (na verdade, esse é um filme tão fraco e estúpido e infantil quanto os outros, mas eu gosto dele, então que se foda minha teoria).
*** Obviamente tudo que estou dizendo vale para qualquer sexo, mas por razões estilísticas optei por me dirigir primariamente às amigas. E francamente, se você é homem, por que está lendo sobre essa frescuras de eu te amo?
**** Dois eu te amos dramáticos e um fofinho pra compensar:
:::::: eu te amo dramático: ser "convencido" a assistir uma porra dum filme iraniano chato pra caralho só porque foi indicado ao Oscar e uns críticos metidos à besta da Zero Hora deram 5 bibs pra ele, enquanto que o que você mais queria era só jogar um FIFAzinho tranquilo com a galera.
:::::: eu te amo dramático e ligeiramente inverossímil (mas que aconteceu de verdade com um amigo meu): rir muito e se esgoelar cantando "Don't Look Back in Anger" à capela no carro, isso depois que o carro ficou sem som pois o rádio foi roubado por culpa dela, que sempre esquece de trancar o carro e, afinal "mas amor, eu não tenho culpa, a gente só ia ali na Schutz rapidinho trocar um sapato, e além disso, amor, quem que assalta um carro na Padre Chagas no meio do dia com toda aquela gente ali, quem, meu deus, quem????"
::::::: eu te amo fófis: sempre abastecer no mesmo posto só para poder comprar um kitkat pra ela porque no Zaffari que vocês vão não tem kitkat (pôrran, Zaffari!!!)
***** Com a possível exceção de eu ouvir eu te amo dos lábios da Léa Seydoux ou da Anne Hathaway.
2 comentários:
Adorei! E você sempre tem que colocar deus (com letra minúscula) no meio. <3
Me dá um autógrafo???
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