quarta-feira, dezembro 08, 2010

Lembranças tão imensas de nossa dor (parte final)

San Diego... A imagem não tem nada a ver com o post, só acho ela bonita. A história da foto fica pra outro post

Continuando então a saga do post anterior (cortei alguns episódios menores, então este é post final da série. Se bem que tem alguns episódios que vale post por si só). Buenas, como todos sabem, um dos momentos cruciais na vida é a escolha da faculdade. Pois bem...

- Escolhi minha faculdade com base na lógica inquestionável de uma colega, pela qual eu estava apaixonado, e que faria vestibular para essa mesma faculdade: "Ah, tu sabe desenhar bem, Heleno, então tem que fazer Arquitetura". Por que não, eu pensei? Afinal, eu ia poder ficar perto dela e arquitetura é a maior barbada, ficar fazendo uns desenhozinhos por aí...
  • Impacto: repeti 6 vezes (não, eu não errei a digitação) a cadeira mais importante da Faculdade de Arquitetura, a cadeira de Projeto 1. Finalmente, reconheci que meu pai estava certo ao me alertar que, talvez, e só talvez, Arquitetura não fosse para mim.
- Ok, então Arquitetura não dá. Resolvi pedir transferência de curso. Deixa eu ver agora, qual que escolho.. hmmm.. ok, quando eu era pequeno eu queria ser médico. Então vamos de Medicina! Mas pensando bem, Direito também é tão bacana, de repente ser um juiz e tal. E Ciências da Computação então? Computador é o futuro, meu pai já dizia. Ah... mas e Publicidade e Propaganda? Criar aqueles comerciais vencedores de Cannes que passam no Multishow. Se bem que Administração também pode ser uma hein, cursinho mais genérico, um 2º grau estendido. Hmmm... difícil escolher...
  • Impacto: como não conseguia decidir, solicitei transferência para essas 5 faculdades. Afinal, são tão similares...
- Bom, dificilmente vou ser aceito nas 5, transferência não é tão mole, são poucas vagas internas e depende basicamente do desempenho no vestibular. Mas o lado bom é que o processo de seleção vai decidir por mim, vou fazer onde me aceitarem. O problema é: eu era um nerd que sempre ia muito bem na escola (não tanto na faculdade de Arquitetura), e no vestibular passei em segundo lugar.
  • Impacto: recebi uma ligação da reitoria informando que fui aceito em 4 cursos dos 5 para os quais pedi transferência. Só Publicidade não me aceitou. Me vinguei fazendo Administração e hoje trabalho na área de publicidade.
- Após me formar em Administração, entrei no mestrado em Marketing. Durante a fase crítica de fazer a pesquisa para a dissertação e escrever papers, eu passava as tardes em casa realizando tarefas absolutamente inadiáveis (ex.: arrumar livros em ordem de assunto e dentro de assunto em lidos/não lidos e dentro destes em ordem alfabética por título, arrumar roupas por estilo, cor e frequência de uso, ler 4 jornais diários para me manter informado)
  • Impacto: dependi da caridade de professores para ser aprovado com base em papers geniais, escritos na madrugada da data de entrega. A dissertação só não ganhou nota máxima possivelmente porque gastei mais tempo escrevendo e reescrevendo os agradecimentos do que a própria dissertação em si. (quem tiver coragem pode ver a dissertação aqui)
- Esqueci a letra de uma música no meio de uma apresentação de improviso em um bar, com meu amigo Guga Fabbro na guitarra (e ele é totalmente fera, até professor é). Era uma música brasileira famosa, acho que do Cazuza. Da qual todos sabem a letra. Até eu. Até aquele dia.

  • Impacto: não cantei mais de improviso. Pelo menos não em português. E nunca mais me apresentei em público com o Guga.
- Aprendi a tocar violão e gravei uma música para uma menina que conheci no Mestrado, dedicando a música à ela e gravando no meu iPod. [Dedicatória com voz de locutor de rádio bagaceira] "Rosssssana, essa é pra ti... bãt óu de promissessss uí meiq, from de crêideuuu tchu de greiv, uên óuu ai uãn is iuuuuuuuuuuu...". Uma choradeira só. Não funcionou, mas tudo bem. A única questão é que uns 2 anos depois conheci outra menina, e para tentar impressionar a infeliz vítima, fui mostrar uma música bacana do U2 que gravei há um tempo atrás... (essa aqui, só excluí a constrangedora dedicatória)  
  • Impacto: mais uma noite solitária. Uma delas ainda é minha amiga.
- Fui enganado no orkut por uma menina. Ela me adicionou e veio falar comigo. Não a conhecia, mas a julgar pela foto do perfil devia ter antepassados dinamarqueses. Ela era do interior de SP e eu morava em Porto Alegre. O papo evoluiu e depois de alguns telefonemas, conversas cada vez mais sérias e longas - chegando ao ponto de combinar um encontro - a pessoa avisa que... hummm.. bem... então... aquela ali na verdade não sou eu... quer dizer, sou eu mas a foto não é de mim, entende?... silêncio... incredulidade... mas então qual é tua foto??? peraí, vou te mandar... tensão... internet lenta... foto pesada.... chega a foto... ... silêncio... incredulidade... incredulidade... incredulidade...... digamos que até poderia ser dinamarquesa, mas certamente não tinha acesso ao lendário sistema de saúde que permite plásticas gratuitas.
  • Impacto: mudei para o facebook, que pelo menos é mais bonito que o orkut e adotei critérios mais avançados na aceitação de "amigos". E também não faço mais longas ligações interurbanas do celular para quem eu não conheço pessoalmente.
- Certa feita, em momento crítico, uma namorada comparou certas partes de minha anatomia a de um ex-namorado, de uma forma que não me pareceu exatamente um elogio.
  • Impacto: perdi a capacidade de manter a concentração, e depois perdi boa parte de meu salário em inúmeras horas de 40 minutos com psicoterapeutas das mais diversas linhagens e estirpes.
Eu poderia continuar. Todo dia continuo aprendendo coisas, e geralmente através da dor. Talvez a dor seja a melhor professora. Ainda assim, não seria de todo ruim se viesse com uma anestesia de vez em quando. O único ponto é que com a anestesia eu não aprendo nada, e teria que fechar o blog pois não teria mais histórias para contar.

Para mim, quando as coisas dão errado (e geralmente dão), isso pelo menos vira uma história. E, no fim das contas, ficam as lembranças boas. Como as que tive ontem pensando no que aconteceu nos 2 shows do Paul McCartney que vi há pouco. Em parte uma tragédia financeira de alto calibre. Mas no futuro apenas um momento inesquecível. Vale um post... outra hora.

quarta-feira, dezembro 01, 2010

Lembranças tão imensas de nossa dor (parte 1)

Sim, eu era loiro, fofo (meu apelido até os 2 anos) e bonito. Depois, foi só dor e ladeira abaixo. Ver abaixo.
Momentos de dor. Que geram um impacto, e fazem você se enxergar de forma diferente e aprender, evoluir, tentar de novo. Todos temos momentos desses para lembrar.

Resolvi então fazer um breve balanço de minha vida (ok, nem tão breve, levei mais de 5 horas no auge da madrugada para escrever e reescrever) e compartilhar alguns dos meus momentos de dor e também os impactos que estas experiências me causaram. Ficou tão grande que vou dividir em 3 partes, publicando toda quarta. Assim, começo em ordem mazomenos cronológica:

- Tive a cabeça e os ombros encharcados de vômito pelo Jairo na fila de entrada no primeiro dia de aula da primeira série do primeiro grau na Escola Santa Cruz, em Nova Milano (RS). Fui socorrido pela minha prima mais velha, Yara, que foi chamada às pressas para me dar um banho. O conteúdo não era identificável, afora salame colonial.
  • Impacto: não como salame e fico longe de pessoas que acabaram de comer salame. Também prefiro não ficar na frente de pessoas mais altas que eu numa fila.
- Tirei a sobrancelha direita no terceiro ano do primeiro grau para "ver como ficava".

  • Impacto: aprendi a usar lápis de maquiagem, salvo novamente pela Yara e passei um bom tempo sem lavar o  rosto na escola.

- Era obrigado a ir à missa todo domingo (pela manhã!!!!!!) durante 8 anos.
  • Impacto: perdi a fé em Deus. E também não vou precisar casar, pelo menos não na igreja.

- Banhei meus cabelos com água oxigenada e fui ao sol, por não acreditar que isso deixaria meus cabelos loiros. Balela, eu pensava.
  • Impacto: passei a depositar minha fé na ciência.

- No primeiro dia de aula, no primeiro dia de funcionamento do Leonardo da Vinci, colégio mais exclusivo de Caxias do Sul, a professora pediu que nos apresentássemos. Declarei que meu sonho era revolucionar o mundo, como Albert Einstein. Se você lembra do seu segundo grau, certamente sabe que adolescentes espinhentos de 14 anos são espécie universalmente conhecida pela crueldade. E digamos que eu exagerei um pouquinho em meu sonho.
  • Impacto: ganhei o apelido de Einstein e fui um dos alunos mais populares do colégio. Se você nunca foi um loser popular, dificilmente vai entender que ser popular nem sempre é bom.
- Entrei no ônibus errado e fui parar Flores da Cunha. Como eu disse, estudava em Caxias do Sul e o destino era Nova Milano, em Farroupilha, a uns 30 km de Flores da Cunha. 
  • Impacto: passei a sempre olhar com muito zelo a placa que informa o destino do ônibus e desenvolvi uma desconfiança imediata de que estou no ônibus errado assim que ele pega uma estrada diferente da que sempre toma.
- Entrei no ônibus certo, dormi profundamente e desci no lugar errado. E São Sebastião do Caí definitivamente não é nada perto de Nova Milano.
  • Impacto: insônia em ônibus desde então. Insônia felizmente não transferida a aviões com escala, e espero que continue assim.
- Passei uma tarde nublada jogando taco-bola na beira da praia em Imbé em um feriadão. Sem protetor.
  • Impacto: aprendi que em dia nublado o sol também queima e tive que andar de chinelo por 3 semanas devido a queimaduras de 2o grau nos pés. Num início de inverno. Inverno de Caxias. No segundo grau. Onde eu já era bem popular.
- Eu era nerd, CDF, magro, sardento e orelhudo.
  • Impacto: baixa auto-estima e vida social inexistente (varar noites jogando Super Nintendo não é válido como vida social). Hoje estou menos orelhudo, pois fiz plástica em 1998. Isso porque meus pais se compadeceram de mim quando descobriram que eu estava usando Super Bonder nas orelhas. Funciona bem, se você não se importa de andar com uma Super Bonder no bolso caso a orelha se descole. E ela sempre descolava, nos piores momentos.
- Tinha baixa auto-estima
  • Impacto: conhecia mulheres vendo revista. Minha melhor tentativa foi escrever uma carta de amor em alemão, para a menina não ter ideia do que estava escrito, de tanta vergonha que eu tinha. Óbvio que ela foi falar com meu vô Ervino. Meu vô traduziu, até porque foi ele também que converteu minha carta do português para o alemão. Minha amiga ouviu atentamente. Veio conversar comigo. Me confessou que gostava do meu melhor amigo. Nunca mais escrevi cartas em alemão. E para tentar entender as mulheres, eu lia a Nova, que minha tia Nena assinava. Não creio que eu tenha entendido algo sobre as mulheres.
- Não tinha ideia do que as mulheres queriam.
  • Impacto: nenhum. Continuo não sabendo. Freud não sabia. Ninguém sabe. Nem vai saber


segunda-feira, novembro 01, 2010

Vou me mudar pra Dinamarca

Ok, não são da Dinamarca. Mas e daí?

Em momentos de tensão é possível descobrir coisas que em tempos bons não descobriríamos. Nesta eleição confesso que fiquei chocado com o baixo nível da campanha de Serra. Já adianto que respeito quem votou em Serra, a maioria é gente do bem. Não acho que sejam "uns dementes, sem educação, que não pensam, que querem o atraso", assim como muitos pensam dos que votaram em Dilma.

Eu inclusive votei na Marina Silva no primeiro turno, pois acho que precisávamos de uma renovação e a Dilma nunca me pareceu a candidata ideal. Agora, neste segundo turno não era possível ver Serra e o que há de mais retrógrado na política brasileira ganhar. Dilma e o PT, com todos defeitos que têm, ainda estão anos-luz a frente do PSDB.

Pois bem, estava no twitter quando vejo uma tuitada de Marcello Serpa, http://twitter.com/marcello_serpa. Se você não sabe, o cara é um dos maiores e mais premiados publicitários do Brasil, dono da AlmapBBDO, agência brasileira mais premiada em Cannes. Tive a oportunidade inclusive de participar de um curso, Grandes Publicitários, e ver uma entrevista que Celso Loducca, outro grande publicitário, fez com ele. Muito bom o curso, que teve também Nizan Guanaes, Washington Olivetto, Alexandre Gama e Roberto Justus - ou seja, a nata da publicidade brasileira, uma das melhores do mundo.

O Marcello Serpa escreveu o seguinte:

"Votei contra intolerância, autoritarismo, ideologia Jeca, peleguismo, aparelhamento.... Preferia ter votado a favor de alguma coisa :)
PSDB R.I.P. 47% querem votar num partido, num princípio, numa proposta e não só contra o PT.
Voltei, votei e agora me preparo para mais 4 anos na contramão."

Eu, http://twitter.com/rockstar1000, resolvi ironizar:

Pô que legal, votou na Dilma! RT @Marcello_Serpa: Votei contra intolerância, autoritarismo, ideologia Jeca, peleguismo, aparelhamento....

E ele me deu uma réplica:

@rockstar1000 Comemore, mas não me encha o saco.

Nunca imaginei que ele fosse me responder, não costumo falar com pessoas famosas no twitter, então me surpreendi ao ver seu comentário. Como me pareceu rude, fiz a tréplica:

Idem para você meu caro RT @Marcello_Serpa: @rockstar1000 Comemore, mas não me encha o saco.

Não acho que ele tenha sido preconceituoso, coisa que vi em muitos comentários que li, afinal não falou contra pobres, nordestinos, etc. Até concordo com ele que boa parte da população quer votar a favor de algo e não contra. Realmente, Rest In Peace PSDB. A mediocridade da oposição é visível a qualquer um que tenha os olhos abertos. Ou até mesmo, fechados.

Mas quando li que o Marcelo votou contra a intolerância, imediatamente pensei que uma das maiores intolerâncias dessa campanha foi o infame debate sobre aborto, levantado pelo campo de Serra.
Autoritarismo? Serra tinha um vice do DEM, antiga Ditadura.
Ideologia Jeca? Qual é a ideologia da coligação Serra-DEM? Ódio?
Peleguismo e aparelhamento? Quer dizer que os outros governos, nacionais, estaduais, municipais não tem isso também? Aliás, um dos males da política brasileira como um todo.

Enfim, se Marcello Serpa, com todo seu currículo e educação pensa assim, não espanta haver tanto preconceito, ódio, intolerância, autoritarismo e ideologia jeca no Brasil.

Sei que não sou perfeito, nem sou dono da verdade, mas tento manter um nível. Tento. Tenho também meus preconceitos e todos os têm, embora a gente às vezes nem saiba quais são. Ter preconceitos faz parte da biologia do ser humano.

E estou citando o Marcelo Serpa como exemplo apenas, pois também me espanto com a opinião de muitos amigos meus, e somos a elite de fato do Brasil. O problema não é votar em Serra, repito. O problema é votar por preconceito. Somos todos a favor de paz, amor, democracia, desde que seja para nós. Desde que não mexam com meus privilégios. E desde que os pobres (vagabundos, todos claro) fiquem no seu cantinho sem nos atrapalhar querendo votar em que mais os favoreceu.

E apesar de tudo isso, fico feliz de ver que muitas pessoas pelas quais tenho imenso afeto conseguem discutir em nível elevado. Mesmo que eu discorde delas, é um prazer discutir com quem tem conteúdo e não preconceito, ou ler um artigo menos inflamado por paixões. Mas com tanta gente agora querendo ir embora do país, a jugar pelas mensagens na internet, quem teve vontade de ir embora fui eu, triste com tão baixo nível.

Quem sabe para a Dinamarca, onde eu teria que lavar meus próprios pratos, entre outras outras coisitas más (talvez uma visão idealizada mas não deve estar longe da verdade):
  • Onde provavelmente eu teria que estacionar meu carro, e não largá-lo na mão de um vallet que nunca vai poder comprar o carro mesmo que economize toda vida.
  • Onde não vou nunca ver mulheres com caras resignadas segurando bandeiras ao sol anunciando prédios.
  • Onde não vou ter que recusar dar esmola para alguém no trânsito, pois não vai haver ninguém pedindo esmola no trânsito.
  • Onde meu prédio não vai ter porteiro e o entregador de pizza vai poder vir até minha porta, e não vou precisar descer e receber a pizza através de uma grade.
  • Onde não vou ver seguranças de terno embaixo de guarda-sóis de uma tal Haganá.
  • Onde vou poder deixar meu carro em casa e andar com transporte público, ou de bicicleta (ok, bicicleta já é utopia para mim =).
  • Onde não pensem que os que recebem ajuda do Estado sejam vagabundos.
  • Onde impostos sejam realmente revertidos em serviços de valor para a população.
  • Onde educação seja realmente valorizada pois é o único caminho para o crescimento sustentado.
  • Onde aborto, sexualidade e religião não sejam tema de campanha.
  • Onde não ter religião seja comum e não visto como um defeito ou aberração.
  • Onde um partido autoritário e retrógrado não se intitule Democrata (nos EUA os democratas são os liberais)
  • Onde o voto não seja obrigatório.
  • Onde as mulheres sejam loiras, de olho azul, altas e liberais/libertinas.

Ok, desconsiderem essa última. No Brasil as mulheres são muito mais bonitas. Mas confesso, tenho preconceito contra feiúra. A feiúra que vem de dentro. Daquela que foi o que mais vi nessa disputa. Que essa feiúra fique para trás.


sexta-feira, outubro 29, 2010

O que aprendi com Preta Gil

Você pode ser feio por fora, mas bonito por dentro. Ou vice-versa. Ou ambos. Ou nenhum.



Contexto: rapaz do interior, solitário, numa cidade grande. Querendo conhecer pessoas e fazer "amizades".

Início: internet

Meio: restaurante / casa

Fim: táxi


Sites de relacionamento. Quem nunca se cadastrou, pelo menos deu uma olhada, nem que seja por curiosidade. Enquanto eu navegava por aí, encontrei um tal de www.hotornot.com. Hot or Not? Você carrega uma foto sua ali, ela é revisada por uma pessoa real para garantir que não contenha pornografia/etc, e quando a foto é aprovada, as pessoas começam a te dar nota, de 1 a 10. É como uma pesquisa pra saber se você está, literalmente, bem na foto. Porque foto na internet a gente sabe como é. Nos esforçamos para encontrar aquela em que o ângulo esteja ok, o sorriso perfeito, o cabelo arrumado, e por aí vai. Eu também tento fazer o meu melhor, sem destoar muito da realidade - ou seja, minha foto é essa coisa mesmo que você está vendo aí.

Buenas. Mas o legal é que você também fica dando nota pros pobres diabos como eu que se sujeitam a essa pesquisa. Os números de 1 a 10 representam coisas diferentes para pessoas diferentes, mas no geral há uma certa concordância quanto ao que é bonito e feio (tema para outro post sobre psicologia evolucionária). E todos temos curiosidade em saber como somos vistos. Então achei divertido. 

A dura realidade. Depois de algumas avaliações você já pode ver sua média (por ex. 8) e sua posição: "você é mais quente [hotter] do que 78% dos homens neste site". Estes são os dados atuais do meu perfil e me deixam feliz até. E isso só pode significar que 1) as pessoas têm um péssimo senso de beleza, ou 2) minha foto está tão boa que na verdade os que me avaliam estão avaliando outra pessoa e não o eu "real". Me recuso a acreditar na segunda.

Tudo isso para dizer que você também pode se comunicar de uma forma rudimentar com quem você achar bonito. Não lembro se eu a procurei ou ela me achou. Sei que trocamos e-mails e começamos a conversar no msn. A bem da verdade, a foto dela no hotornot estava meio difusa, uma foto de cima para baixo, ela dentro de uma piscina escorada na borda, com óculos escuros e só as mãos para fora. Sinais claros de que 1) há algo a esconder ou 2) sou tão segura de mim que não preciso colocar uma foto excelente. Me recusei a acreditar na primeira. E eu estava certo, como você vai ver.

Após algumas conversas, chegou o momento do convite para jantar. Fiquei super animado e comentei com um amigo, e ele naturalmente quis ver a foto da moçoila. Os olhos de lince dele focaram na única parte do corpo exposta de forma clara: as mãos. E vaticinou: cuidado que ela tem mãozinha gorda. Mas essa é uma avaliação muito subjetiva. E eu não ia desmarcar o jantar porque um amigo achou que a mãozinha estava meio gorda. Vamos dar o benefício da dúvida.

E lá fui, disposto até a ir a um lugar meio distante, em uma cidade enorme. Fui anunciado na portaria do prédio e me instruíram a aguardar no lobby. O momento da verdade estava muito próximo. A tensão atinge o pico quando a porta do elevador se abre. Quem viria lá de dentro? Que surpresas (boas) estariam me aguardando?

Vamos ver em câmera lenta agora. 

O barulho do elevador aportando no térreo. djjjjjjjjjjjjjjjjjjmmmmmm

A primeira visão do braço empurrando a porta de aço. squeeeeeeeeeeeeeeek

E, finalmente, a pessoa por inteiro. Tã-rã!

Putz, mas tanta tensão por nada. Não era ela. Ufa! Por que se fosse, eu estaria muito enrascado - digamos que essa pessoa era grande em todos sentidos (horizontal e vertical). Tudo bem vamos esperar mais um pouco. Mulher sempre atrasa, diz que está descendo mas ainda vai fazer a chapinha. Enquanto isso fiquei observando a pessoa se aproximar, o elevador estava distante, e seguindo regras básicas da civilização, esbocei um sorriso e um boa noite.

No entanto - sempre há um no entanto - a pessoa vinha diretamente à mim, e a cada passo sorria um pouco mais. Eu sorri também, por educação. Mas a pessoa estava sorrindo muito. Eu já estava constrangido, pois parecia que a pessoa estava me esperando. E foi chegando. E foi sorrindo. E foi chegando. E foi sorrindo. E foi chegando. Chegando. Chegando.

Chegou.

- Oiiiii
- Hmmm.. oi
- Frederico? [o nome do meu amigo]
- Hmmm.. sim
- Eu sou a [Preta Gil, eu pensei. Só pode ser brincadeira isso aqui. É uma pegadinha! Cadê a câmera?]
- Hmmm.. ahhhh.. claro... hehe... [Beijinho, beijinho] [E agora? E agora? Se eu seguisse a brilhante dica de um amigo escolado em furadas, teria inventado uma imensa dor de barriga na hora, adiando o encontro para outro dia - o dia de amanhã, eternamente o dia de amanhã]
- Então, vamos?
- Hmmm.. ah sim... claro.. vamos...

Tenho que aprender a dizer não. Foi a única coisa que ficou na minha mente em todo trajeto até o restaurante, cuidadosamente escolhido. Agora já era tarde. Bater o carro estava fora de questão. Então o melhor que podemos fazer é encarar como uma oportunidade de reflexão, uma reflexão cara, mas ainda assim uma reflexão.

Conversando sobre nós mesmos, fico sabendo que ela é modelo. Rá, tem senso de humor a menina. Mas olho para o lado e percebo que ela falou sério. Pensei: até pode ser, já vi anúncios em que usam mulheres não exatamente no melhor de sua forma, para ficarmos num eufemismo. Melhor não entrar nesse papo.

Por algum motivo, ao chegar no restaurante, ela fica indecisa e diz que não está a fim de ir no que escolhi. Foi talvez a única coisa certa que ela fez naquela noite. E sugeriu um estilo cantina, menos bacanudo e mais barato. Agradeci em voz baixa. E rumamos. O jantar até foi engraçado, eu pude comer sem me preocupar em puxar assunto pois ela puxava todos assuntos. Puxava, desenvolvia, acabava e puxava outro. Em resumo, ela era amiga de pessoas famosas, e era desejada por um cara extremamente rico, que já tinha proposto casamento. Questionei a sanidade desse cara, mas vai saber. Talvez eu só precisasse vê-la com outros olhos. Deixar os preconceitos de lado, buscar a beleza interior. Sim, eu teria que buscar bem fundo, quase uma busca à um tesouro afundado no mar a 15 mil metros de profundidade sem equipamento de mergulho. Mas quem disse que isso é impossível (fora as leis imutáveis da física)?

Acaba o jantar e chega a hora tão aguardada. Levar a moça embora, voltar para casa e nunca mais aceitar sair com uma pessoa cuja única foto é dentro de uma piscina só com as mãos para fora. Ou melhor, nunca mais sair com ninguém só baseado na foto. Ou melhor, nunca mais sair com ninguém conhecido através de um site de relacionamento.

Já no carro, pergunto:

- Bom, então vamos para...
- Vamos pra sua casa?
- É, hmmm, ahhh, hmmmm
- É perto?
- Ahhh hmmm hummmmm
- Depois você me leva pra minha casa.

Esse foi o segundo momento da noite em que lembrei da necessidade absoluta de desenvolver a capacidade essencial de dizer não no momento certo. Movido agora por uma curiosidade sobre até onde essa história me levaria, fui pra casa. Rezando para que o meu amigo, com quem divido o apartamento não estivesse acordado. Ele não ia se aguentar. Tenho certeza que ia me chamar num canto e me dar uns bofetões pra deixar de ser banzo. Mas ele já estava dormindo. Era um dia de semana.

Chegou um momento em que o papo acabou. Eu já tinha ido tão longe, a história já estava tão trágica, que agora iríamos em frente. Sim, nos beijamos. Ela quis ir para o quarto. Medo. Não vou contar detalhes, por respeito a você, leitor, que teve força suficiente para ler este post gigante até aqui. Mas posso sim revelar que não houve o que você está pensando que houve. O que ocorreu foi um momento único, que desde aquele momento entitulei de "conchinha". Não tenho como representar essa "conchinha" mimicamente. Então, use sua imaginação e visualize o que entitulo a partir de agora como o momento "conchão". Pense numa sequóia, a qual você nunca vai conseguir abraçar por inteiro, a não ser que seja o homem elástico.

A noite passou e não consegui dormir direito na posição "conchão". Acordei bem antes do horário usual, mas nem um pouco disposto a levar a Preta Gil para casa novamente. Inventei então que estava atrasado, dei carona até chegar ao meu trabalho, parei no ponto de taxi que há em frente, rezando para que nenhum colega tivesse resolvido acordar antes e chegar naquele horário. Dei R$ 50 a ela pra pagar o táxi, o que representou o maior custo benefício entre todos meus gastos até então.

Dias depois ela me liga dizendo que precisa devolver o troco (???). Digo que não posso, mas que se ela fizer questão, pode deixar aqui na portaria e me entregam.

O que eu não contei e vou contar agora para vocês entenderem melhor a Preta Gil é o tipo de coisas que ela me disse:

- "Teu carro está bem velho né. Tá na hora de trocar."
- "Ah a essa altura você já deveria ter comprado um apartamento. Meu amigo tem um apartamento de R$ 10 milhões aqui perto"
- "Essa tua camisa não tá mais na moda, o legal agora são as camisas do jacaré"

Como eu não estava a fim de DR sem ter o R, não dei continuidade. Nem à conversa nem ao R. Só pensei: quem essa mulher acha que é? A vontade era de falar tudo que eu achava que ela deveria mudar. Mas ia demorar muito. Ou não, na verdade, ela tinha que mudar tudo, nascer de novo com outro DNA.

O que eu aprendi então com a Preta Gil é o seguinte:

A pior combinação possível para o ser humano é ser feio por dentro e por fora. O "por fora" até se ajeita. Mas o "por dentro", nem com operação de transplante.




segunda-feira, outubro 25, 2010

O melhor de todos

"Uma vez eu quis ser o melhor de todos
Nenhum vento ou cachoeira poderia me impedir
E então veio a correnteza da enchente
As estrelas da noite transformaram-se profundamente em pó"

Tradução livre de The Greatest, de Cat Power




Versão que fiz da legítima "maior de todas", que é a maravilhosa Cat Power (Chan Marshall para os íntimos). É de chorar.

Da performance ou da música ou das fotos.

Ou dos três.

O vídeo é uma montagem com as fotos que tive o privilégio de tirar no show dela no Via Funchal, em 18/7/2009. Inesquecível.

E olhando a foto dessa moça, eu me pergunto:



OQUEQUÉISSOOOOO?????????????

E essa roupa de bandeira americana??? Já falei que amo os EUA? Eu amo mesmo, não é ironia.

Buenas, ela ao vivo é muito mais impressionante. E acho que a versão dela ao vivo no Jools Holland é um pouco melhor que a minha:




E tem também a versão original, em cima de trechos do My Blueberry Nights, filme lindo que tem a participação da Cat Power, como ex-namorada do Jude Law. Perdeu playboy!



E ela até fez versão pra Wonderwall!!! Um dia ponho aqui minha interpretação dessa linda música da melhor banda do mundo. E definitivamente é (muito) mais agradável ver a Cat Power cantando do que os monocelhas dos irmãos Gallagher.

Fui...

Com um(ns) suspiro(s)...



Letra da The Greatest:

Once I wanted to be the greatest
No wind or waterfall could stall me
And then came the rush of the flood
The stars at night turned deep to dust

Melt me down into big black armor
Leave no trace of grace just in your honor
Lower me down to culprit south
Make 'em wash a space in town

For the lead and the dregs of my bed
I've been sleeping
Lower me down, pin me in
Secure the grounds for the later parade

Once I wanted to be the greatest
Two fists of solid rock
With brains that could explain
Any feeling

Lower me down, pin me in
Secure the grounds
For the lead and the dregs of my bed
I've been sleeping for the later parade

Once I wanted to be the greatest
No wind or water fall could stall me
And then came the rush of the flood
The stars at night turned deep to dust



quarta-feira, outubro 13, 2010

O Xiita do Silêncio

Bastardos Inglórios: cena em que matam Hitler no cinema. Ele estava falando muito alto.


Sou chato.
Muito chato.
Quem me conhece sabe do que estou falando. Ou quem me segue no twitter e facebook. Todo dia perco amigos e followers. Mas tudo bem. Minha mãe ainda me ama (ver post abaixo).

Acho que sou chato porque raramente deixo de dar minha opinião, sobre tudo, mesmo que vá contra o senso comum (e é muitas vezes o caso). Também sou chato porque reclamo sempre que algo não está certo, desde o ar condicionado muito frio, passando por ter muito sal na batatinha do Mac e chegando até minhas odisséias no cinema.

Ah o cinema. Só pode ser perseguição. Aquela câmera na entrada tem um sistema de reconhecimento facial, tipo Minority Report. E dispara o alerta: o Heleno está no cinema! Imediatamente, uma pessoa, contratada pelo cinema, é enviada para sentar ao meu lado. E qual o job description dessa pessoa? Irritar o Heleno. Ponto. É só isso que ela tem que fazer, e faz muito bem, através de métodos variados, incluindo falar alto, não parar de falar, balançar a perna sacudindo toda fileira, entre outros. O de hoje resolveu inovar.

No Kinoplex Itaim, vendo Wall Street 2 (excelente), o mala resolveu ficar batendo o pé no chão. E de duas uma: ou só eu percebo e me incomodo, ou os outros percebem mas não dão bola. Quero crer que não sou o único no mundo que gosta de ver um filme sem alguém tagarelando e fazendo barulhos do meu lado. Não posso ser o único. Por favor, alguém me diga que também se incomoda com essas coisas para eu não me sentir tão solitário.

Por que acho que só eu me incomodo? Porque sou só eu que reclamo.

- Tem alguém aqui batendo o pé no chão?, perguntei ao mala, pois eu não tinha certeza se era ele.

- Sim, eu estou.

- Você poderia parar de bater o pé no chão? Não estou conseguindo me concentrar no filme.

Ele parou. A contragosto. Vi quando ele deu uma risadinha irônica, do tipo "que cara chato, eu nem tô incomodando ninguém, só ele reclamou"

Eu ainda fiquei incomodado por uns 10 minutos. É uma situação estressante você ter que falar esse tipo de coisa. Mas vale a pena, sempre vale. Tenho certeza de que ele vai pensar antes de começar a bater o pé no chão novamente. Ninguém, nunca, deve ter reclamado com ele. Nessas horas, me sinto como uma espécie de vingador moral, um defensor dos fracos e oprimidos cinéfilos que não têm coragem de levantar a voz contra as injustiças da sala escura. Um salvador dos que não reclamam, afinal, "pra que buscar confusão"?

Ora, se algo lhe incomoda, busque confusão. Ou sofra calado. Prefiro me expor. Tenho um histórico tão grande de reclamações no cinema que poderia fazer uns 10 posts só sobre isso. Como quando um cara me chamou de babaca, já que eu estava reclamando "só para impressionar minha namorada". Ou quando levei um pito da namorada porque eu estava fazendo Pshhhht para um mala mas "ninguém estava falando". Depois ela percebeu que havia sim alguém falando, e me deu razão - e para meu orgulho, tornou-se mais chata do que eu. Ou quando, num Cinemark vazio (filme nacional numa segunda) em Porto Alegre, 3 adolescentes ficaram gritando lá nas últimas fileiras. Fui até lá e os ameacei, um por um - era caso pra ameaça, eles não iriam parar de outra forma. Não adiantou, continuaram. Chamei o gerente, pedi reembolso e fui embora. Enfim, só alguns teasers do que acontece comigo.

Então, sou sim um xiita do silêncio no cinema. Se você for ao cinema comigo, por favor, deixe os comentários para o final. Ou pelo menos fale bem baixinho no meu ouvido, para não incomodar os outros. E se você for da espécie Cinefilus Falantis, bom, sugiro sentar longe de mim. Ou ficar em casa. Aí você pode fazer o que lhe der na telha. Mas, pelamordedeus, não considere a sala do cinema como uma extensão natural da sua má educação ou falta de noção.

O que me me tranquiliza em reclamar é saber que as pessoas geralmente não levam armas ao cinema, ou talvez eu já estivesse junto a James Dean no céu. Ou, mais provável, no inferno. Onde também vão estar todos malas que fazem barulho no cinema.

sábado, setembro 04, 2010

O que aprendi com Helena

"A suprema felicidade da vida é ter a convicção de que somos amados." Victor Hugo


Helena é minha mãe. Meu nome é uma homenagem a ela, assim como o nome de minha irmã, Paula, é uma homenagem a meu pai, Paulo. Maria Helena, na verdade, é o nome completo de minha mãe, mas ela não gosta muito de Maria (desculpe, mãe, por revelar).

Minha mãe é professora. Então na verdade aprendi muitas coisas com minha mãe, assim como todas pessoas que convivem com ela (principalmente meu pai).

É difícil escrever esse texto, não que os outros sejam fáceis, mas este é mais, carregado de todos significados e emoções associadas a minha mãe. Queria que este texto fosse como um presente para ela, como aqueles que fazemos na escola, um cartão desenhado a mão, não um comprado numa livraria. Um cartão que só eu poderia dar, algo que só eu poderia criar, do início ao fim.

No fim das contas, esse texto é mais sobre mim do que sobre minha mãe, assim como qualquer criação nossa diz mais sobre nós mesmos do que sobre o que estamos escrevendo. Escrevo esse texto enquanto participo de um curso sobre Escrita Criativa, mas não estou ouvindo o que diz a professora, que fala agora da diferença entre metáfora e metonímia. Acho que a professora vai me perdoar.

Quero contar uma pequena história da qual lembrei outro dia. Quando eu tinha cerca de 10 anos escrevi uma peça de teatro, minha única peça até hoje. Teatro de fantoches. Eu adorava aqueles fantoches, alguns de borracha (turma do Chapeuzinho Vermelho) e outros feitos de papel machê pela Valéria, amiga da família. Entre eles estava o ET (primeiro filme que assisti, com meu pai, aos 6 anos, quando eu nem sabia ler. Isso certamente irritou as pessoas ao redor, pois meu pai lia para mim tudo que aparecia na tela).

Quanto a peça, tinha que apresentá-la na praça municipal de Farroupilha (RS), onde me criei e meus pais moram até hoje. Então escrevi, dirigi e atuei em todos papéis. A história juntava o ET e a turma da Chapeuzinho, incluindo lenhador, avó e lobo mau. Não lembro bem do roteiro, sei que começava numa nave espacial, com o ET e a Chapeuzinho (?!?!?!?!). Foram 10 minutos de apresentação e não lembro do final.
A única coisa de que lembro é de minha mãe chorando no final (creio que de felicidade, a peça não era tão ruim).

Não perguntei porque ela estava chorando. Só a abracei. Eu conseguia ver o orgulho materno. Mas muito mais do que isso, eu via o amor. O amor incondicional de que tanto falam. Então não importa se a peça foi boa ou ruim, importa que eu me senti amado e amei de volta.

O que aprendi então com minha mãe? Antes de falar, só quero lembrar de uma frase: "Só nos tornamos cúmplices da vida quando dizemos - de todo coração - uma banalidade". Aprendi com minha mãe a amar.

Obrigado mãe e parabéns pelo teu aniversário. Parabéns pelo teu dia, que são todos os dias. Para sempre. Por toda eternidade, e mais um dia.

Com amor,

Heleno

quarta-feira, agosto 25, 2010

O que aprendi com a Mariana Weickert



Se você não sonhar alto, provavelmente não vai chegar longe.

Em 2004, eu estava sonhando alto. Literalmente. Estava à bordo de um avião vindo para São Paulo para uma reunião na CUT (!) sobre uma análise de mercado dos sindicatos (!). Peguei a Zero Hora, e cai um encarte da C&A no chão, com fotos da então embaixadora da marca, Gisele Bundchen. Por algum motivo, eu estava obcecado pela Gisele. E aquilo me pareceu um sinal.

Acabada a reunião, peguei um táxi para Congonhas, junto com os publicitários que tinham me contratado. Perguntei se já tinham visto a Gisele. Não, não tinham. Mas eu não iria desistir tão facilmente da minha investigação.

Chegando em Congonhas, passo na livraria, e quem está lá? Sim, você errou. Não era a Gisele. Era a Mariana Weickert. A moça chama a atenção, como aliás qualquer modelo fora as modelos de pé. Não a achei bonita na verdade, ela tem um nariz estranho e um que de assimetria.

Ela escolheu um livro e foi para a fila, cheia de malas Luis Vitão e talicoisa. Eu peguei uma revista e fui atrás. E agora? O que eu faço? Seria bacana puxar um papo só para dizer que conheci uma modelo famosa. Ah, mas vai fazer isso pra ver como é difícil. A fila andava, e eu ali, tenso, ansioso, praticamente suando. Chegou a vez dela pagar. Ela sacou a carteira e puxou um cartão Visa Infinite Black, sem limite, algo que nunca mais vi na vida.

Eu não podia esperar mais. Era agora a hora. 

- Rã, rãm. Muito bom esse livro que você está comprando [não era Paulo Coelho nem O Pequeno Príncipe]
- Ah sim, me disseram que é bom.
- Ei, você não é aquela modelo? Mariana hmmm..
- Weickert
- Sim sim!
- Sou eu mesma.
- Legal!

[Pausa na conversa. Ela estava sendo muito simpática. Mas eu não tinha acabado minha missão.]

- Vem cá. Você conhece a Gisele, certo?
- Gisele?
- É, Gisele Bundchen.
- Sim
- É sua amiga?
- Sim
- Me diz uma coisa...
- Claro
- Por acaso você não teria o e-mail da Gisele?

Pausa. 

Acreditem em mim, eu realmente falei isso e definitivamente não me orgulho nem um pouco. Acontece que obsessão é uma coisa assim, meio obsessiva. Ah, é tão fácil olhar para o passado e ver nossos erros.

E qual foi a reação da Mariana? Ela pegou um papel, sacou sua Monblanque e anotou o e-mail da Gisele no verso do cartão dela?

Quase isso. Ela falou assim, não exatamente com muita calma:

- Tu é um freak, brother! Vai ler um livro, vai correr, passear no parque, vai tomar um banho de sol! 
[Obs: eu estava com falta de vitamina D]

E se foi com suas Luíses Vitões pelo saguão.

Embarquei de volta a Porto Alegre me sentindo tão ridículo que resolvi escrever uma carta me desculpando pelo absurdo. Nunca enviei - ainda bem pois isso seria ainda mais ridículo. Em 2005, voltei a São Paulo e fui almoçar com colegas no Restaurante Na Mata, conhecido por ter um staff de modelos. E quem estava lá? Sim, Mariana Weickert. Achei de bom tom (bom não, ótimo tom) não falar com ela. 

O que eu aprendi com a Mariana Weickert então foram duas lições, uma óbvia e a outra nem tão óbvia.

1 - Nunca peça o e-mail de uma modelo famosa para outra modelo famosa.

2 - Se você sonhar alto, mas não tiver os pés no chão, provavelmente vai sair voando por aí. E se estatelar no solo. 

Depois disso tudo, minha obsessão com a Gisele Bundchen acabou, continuei lendo livros como sempre fiz, mas resolvi tomar mais banhos de sol. É bom.

terça-feira, agosto 17, 2010

Como me tornei um velho ao dirigir, sem perder a juventude

Califórnia. Pacific Coast Highway. A caminho de San Franciso. Num Dodge Charger. Um abril de 2009 mágico.
Mudar um hábito ou comportamento é difícil mas é possível. Parar de fumar, emagrecer, se exercitar. Parar de correr no trânsito também é possível. Sei porque eu mudei.


Basicamente um dia achei que estava gastando muita gasolina. 6 km por litro não é uma marca muito boa, e o computador de bordo estava indicando isso. Então resolvi que ia tentar aumentar essa média. Pra conseguir isso foi preciso andar mais devagar, sem pressa.


Já faz mais de um mês que mudei completamente meu estilo de dirigir. Já consegui melhorar a média para 6,2 km por litro. Sim, foi pouco, mas foi um grande passo para mim. E quer saber? Continuo chegando nos lugares. Agora com mais tranquilidade e economizando mais. Não quer dizer que não vou dar uma acelerada de vez em quando. Mas vai ser uma ocasião especial.


Como foi aliás a odisséia para deixar minha prima Yara no aeroporto de Guarulhos neste domingo. Às 14:35 estávamos saindo do restaurante para chegar no aeroporto por volta de 15:15. Mas eis que chega uma mensagem de minha afilhada Aline (minha prima e afiliada espiritual pois fui padrinho de crisma dela e naquele instante passei a ela toda fé que porventura eu ainda tivesse). Ela acabava de pousar em Congonhas para pegar uma conexão a Joinville. E aí não tivemos dúvida: vamos dar uma "passadinha" para dar um "oi", bem rapidinho.  Tínhamos que estar em Guarulhos no máximo 15:30 - o vôo da Yara saía às 16 hs - ou seja, exatamente no limite do permitido pela legislação.


Depois de um oi, dois ois, conversas risadas, fotinho, carro perdido no estacionamento, etc... saímos de Congonhas às 15:05. Ou seja, o trajeto entre Congonhas e Guarulhos, 39 km, teria que ser percorrido em menos de 25 minutos para dar tempo de chegar ao balcão do check-in. Não é exatamente a coisa mais fácil, mesmo em um domingo nublado e frio em São Paulo.


É nestes momentos que a Rodovia Ayrton Senna faz jus a seu nome, e se transforma numa verdadeira Autobahn alemã. E uma Autobahn não tem limite de velocidade. A qualidade da pista é ótima, larga, nova, e sem muito trânsito. Então foi preciso acelerar um pouco. E conseguimos. Deixei a Yara no portão de embarque às 15:28, e minutos depois ela me ligou dizendo que tinha conseguido.


Agora eu estava livre para voltar a dirigir como um velho num domingo procurando um endereço numa rua desconhecida à noite sem óculos.


But...


O domingo ainda não tinha acabado. E eu precisava ainda encontrar uma pessoa que estava me esperando. Uma pessoa muito especial para mim. E a Autobahn ainda estava (relativamente) livre. Então aproveitei o puro prazer de dirigir à luz de um sol preguiçoso em um domingo que seria ainda mais especial.


A solução não é correr. É sair antes. E chegar.


Mas se eu estiver numa Autobahn - e uma pessoa importante estiver me esperando - esticar um pouco mais a marcha será sempre um prazer.

quarta-feira, agosto 11, 2010

Não dizer não quer dizer não sentir



Mas como não é assim, ela saiu. Sem olhar para trás. Sem dar tchau. Sem nem ao menos fazer menção de tchau. Como se nunca, nada houvesse acontecido.

Então pegou o carro.

Acelerou,

Ligou o rádio,

Trocou de estação,

Gritou,

Aumentou o volume,

Acelerou ainda mais,

Aumentou o volume ainda mais,

Cantou,

Acendeu um cigarro,

Olhou o celular,

Mexeu na bolsa,

===================== Freou.

Parou.

E voltou.

sábado, agosto 07, 2010

Mas não foi isso que eu quis dizer...



Já é difícil o bastante decifrar uma mensagem quando estamos de cara a cara com alguém. Quando estamos distantes então, as dificuldades se multiplicam. A questão é aquela que todo mundo sabe: a comunicação é falha (mas é nossa vida, como diz o slogan de uma grande empresa :)

Fiquei pensando nisso porque já vi tantas vezes comunicações falhas arruinarem relacionamentos. Ou se não arruinaram, pioraram bastante. Se você vivesse na Grécia antiga e quisesse falar com sua Helena ou Heleno, teria que falar cara a cara. Ou escrever uma carta rudimentar em papiro ou argila, o que não foi um grande estímulo à indústria dos correios na época. Se você vivesse na Inglaterra Vitoriana, da mesma forma, teria que escrever uma carta - só que dessa vez já seria mais fácil escrever, enviar e receber resposta. 

E hoje? Hoje você pode falar cara a cara, webcam a webcam, iphone4 para iphone4, msn a msn, gmail a gmail, facebook a facebook, twitter a twitter, sms a sms, e até mesmo por carta. Mas quem escreve cartas hoje em dia? Fico pensando naqueles romances antigos, em que os amantes trocavam longas cartas, longas mesmo, do tipo que hoje faria sua mão doer de tanto escrever. 

Certamente havia conflitos, problemas de entendimento, mas suponho que tudo tivesse que ser mais explicado, mais bem construído, mais estruturado, pois não havia chance de você dar uma réplica instantânea, ou pegar o telefone e ligar na hora para esclarecer algum ponto duvidoso. Se hoje ficar alguma dúvida, você responde na hora. Ou liga na hora. Se isso permite resolver imbróglios de forma mais rápida, também permite criar confusão de forma quase instantânea, a partir de uma vírgula no lugar errado ou da falta de um :) ao final de uma observação irônica. Aliás, a ironia frequentemente pode virar contra o "ironeiro".

E como nos comunicamos hoje então? Pior do que antigamente? Diria que não. A comunicação e as tecnologias de comunicação mudam o tempo todo. As consequências de cada mudança são difíceis de prever. Hoje podemos acabar um relacionamento por sms, em vez de usar uma carta. Mais brutal? Talvez. Errado? Quem sou eu para julgar. Indelicado? Definitivamente. 

A tecnologia e a facilidade de comunicação não botaram por terra a necessidade de sermos dignos, educados, civilizados. O que elas fazem é facilitar a indelicadeza que existe em cada um de nós, aproveitando-se de nossa capacidade inata para emocionarmo-nos de formas imprevisíveis. O que eu quero dizer com isso? Pense naquela ligação que você fez às 4 da manhã para sua ex saindo bêbado de uma balada. Certamente Sócrates não passou por essa.

quarta-feira, agosto 04, 2010

Somos culpados, mas de quê?


Pesquisa mostra que a culpa mais dolorosa é o lamento por não termos agido como queríamos 
por Contardo Calligaris

A MELHOR polícia do mundo não conseguiria manter a ordem se respeitássemos as leis só por medo da punição. A sociedade funciona (mais ou menos) porque infrações e crimes despertam não só a PM e a PF mas também nossa consciência: a perspectiva do arrependimento nos inibe.
O problema, como Freud constatou, é que a gente se culpa mais do que é necessário: enxergamos crimes onde não há, consideramos que nossas vagas intenções e nossos sonhos noturnos já são delitos e nos castigamos para aliviar os tormentos de nossa culpa. Seja como for, até os anos 60, o sentimento de culpa -necessário ou patológico e excessivo- parecia ser só isto: o arrependimento por ter desrespeitado uma norma ou uma autoridade.
Em seu seminário (um pouco críptico) de 1959-60 ("A Ética da Psicanálise", Zahar), o psicanalista francês Jacques Lacan propôs algo diferente: a culpa mais relevante e mais sofrida surgiria não por termos desobedecido a uma norma, mas por termos neglicenciado nosso próprio desejo, por termos desistido de agir como queríamos. Podemos nos arrepender de nossas transgressões, mas lamentamos, mais amargamente, as ocasiões perdidas.
Era uma pequena revolução no mundo da clínica. De fato, o sentimento de culpa é onipresente (ou quase), e as transgressões, em geral, são poucas. É lógico, portanto, que a culpa que nos atormenta seja sobretudo um efeito de nossa covardia (que é crônica), e não de nosso atrevimento (que é raro).
Pois bem, no ano passado, Ran Kivetz e Anat Keinan publicaram uma pesquisa que confirma experimentalmente a intuição de Lacan (que, claro, eles não leram): "Repenting Hyperopia: an Analysis of Self-Control Regrets" (Hipermetropia Pesarosa: uma Análise dos Arrependimentos do Autocontrole, "Journal of Consumer Research", vol. 33, setembro 2006).
Em três protocolos de pesquisa, Kivetz e Keinan confirmaram o seguinte: 1) todos condenamos as decisões que só enxergam o prazer imediato sem levar em conta as conseqüências futuras (desde comer a segunda fatia de bolo ou gastar dinheiro que não temos até cometer um pecado pelo qual responderemos na porta do purgatório); 2) mas essa condenação é fugitiva, efêmera: a longo prazo (depois de um ano, por exemplo), considerando a decisão que nos pareceu sábia (não comer a segunda fatia de bolo, não gastar, não pecar), o que prevalece é o arrependimento por ter perdido uma ocasião, por não ter agido segundo nosso impulso ou desejo.
Na metáfora ótica usada por Kivetz e Keinan, sabemos que nossos impulsos são míopes (só enxergam a satisfação do momento) e achamos certo agir como hipermetropes (o que, em geral, significa deixar de agir, focalizando e receando as conseqüências afastadas de nossos atos); a curto prazo, nós nos felicitamos por ter pensado no futuro, enquanto, a longo prazo, lamentamos ter sido hipermetropes e desperdiçado satisfações que estavam ao nosso alcance imediato.
Kivetz e Keinan sugerem uma explicação: a longo prazo, os atos passados são integrados numa espécie de balanço de nossa vida, em que devemos decidir se a corrida foi boa, se valeu a pena. Nesse balanço, o lamento pelas coisas que queríamos e não ousamos fazer pesaria mais que o mérito das "sábias" decisões que comandaram nossas desistências.
De qualquer forma, o fato é que o arrependimento por não ter escutado o desejo parece falar mais alto e por mais tempo do que o arrependimento por ter ousado transgredir. Seria aventuroso concluir que, para não se arrepender no futuro, a gente deveria atuar qualquer desejo.
Mas resta uma suspeita, ou melhor, uma lição: freqüentemente, as razões que mantêm nosso comportamento nos padrões esperados (obediência à ordem social, a nossos pais, à tradição etc.) são apenas racionalizações de uma covardia da qual nos arrependeremos um dia.
Para entender plenamente o alcance da pesquisa, esqueça a segunda fatia de bolo, os gastos e os pecadilhos (exemplos triviais usados na experiência) e pense em decisões cruciais de sua vida: uma mudança de carreira à qual você renunciou porque teria desapontado ou preocupado seus próximos, uma paixão amorosa que você calou porque teria encontrado a desaprovação dos mesmos. Pois bem, a longo prazo, essas desistências doem mais do que doeria a culpa por ter transgredido normas e expectativas, seguindo nosso desejo.


O Calligaris é muito bom, recomendo a leitura de sua coluna na Folha às quintas. Outro texto que toca em assunto similar é este, que fala sobre as dificuldades (e infelicidades) de ser pai.

domingo, julho 25, 2010

Olhe para trás com raiva



Há, sim, perdas irreparáveis
Há, sim, feridas que não fecham
Há, sim, tristezas infindáveis
Há, sim, pessoas que não prestam

Nem tudo tem lado positivo
Nem toda injustiça é justiçada
Nem tudo tem algo criativo
Nem toda escuridão será iluminada

Ver algo bom em tudo
É acreditar que a vida sempre ensina, mas...

Há dor que não ensina
Há dor que só dói
Há chama que só queima
Há amor que destrói

Olhe para trás com raiva.




Inspirado pela ótima peça "Olhe para trás com raiva", de John Osborne, em cartaz no Teatro Vivo, em São Paulo (trechos aqui). Resolvi ver devido ao título, que é o contrário da clássica Don't Look Back in Anger, do Oasis (melhor banda do mundo :)

segunda-feira, julho 19, 2010

Meu Casamento Fracassado e Como Voltei ao Meu Antigo Amor

Para A.M., por me ouvir, me instigar, me incentivar


Fui seduzido. Mas não foi da primeira vez. Ela já havia tentado antes. Conheci ela lá por 2002 (vamos chamá-la de G.). Mas foi só em 2005 que conversamos a sério pela primeira vez. Ela que me chamou para conversar. Eu estava bem, um relacionamento bacana (com R.), que tinha começado em 2000, terminou em 2003, com alguns flashbacks, e voltou a ficar sério em agosto de 2005, assim que acabei meu mestrado. Logo que eu voltei para R - foi aí que G me chamou. Quis ouvir o que ela tinha a dizer. Curiosidade mesmo. Então lá fui eu, marcamos no horário de almoço. Não tive a melhor das impressões logo que a vi mais de perto, mas ouvi com atenção. G não era de todo desinteressante, mas eu recém tinha voltado a me relacionar e não havia grandes motivos para eu querer saltar fora, tudo estava bem. Assim, terminamos a conversa, agradeci mas não a procurei mais.

Não demorou muito, no entanto, para meu relacionamento com R entrar em crise. Feia, ela quis acabar comigo alegando dificuldades mas eu gostava muito dela, e me esforcei para mostrar que eu tinha valor, que merecia uma segunda chance. Assim ficamos, mas já não era exatamente o mesmo sentimento, o gosto da crise permaneceu no fundo da boca. Um ano depois, as coisas estavam melhores, mas foi aí que uma amiga me apresentou T. A verdade é que eu não tinha digerido bem a crise do final de 2005, e queria ter novas experiências. Gostei de T, na verdade, eu já a conhecia mas nunca tinha pensado que teria algo a ver com ela. Finalmente decidi deixar R, comuniquei minha decisão, já de forma irreversível. Ela tentou me segurar, disse que ia me tratar melhor. Mas porque não pensou nisso antes? Tinha que esperar me perder para perceber meu valor?

E lá fui. Começando novamente. No início tudo era bacana com T, novo, mas o tempo trouxe o tédio. E quando eu me entedio, perco o tesão, muito rápido - foram menos de 6 meses. Me tornei burocrático. A rotina - esse cavalo de tróia dos relacionamentos - me pegou. Cumpria com as obrigações, mas muitas vezes me pegava pensando se não estaria melhor com R, só que agora não havia mais como voltar, R já estava com outro.

E foi bem aí que G me chamou novamente para conversar. Só que dessa vez, eu já não estava contente com a outra. E G foi bem mais sedutora. Pegou num ponto fraco meu, me disse exatamente o que eu queria ouvir, vi nela a possibilidade de ter algo que eu sempre quis, um desejo antigo, que eu perseguia sem nem mesmo saber se era isso mesmo que eu queria. Ora, a maior parte do que desejamos pode se revelar somente isso - um desejo, que quando atingido já não nos deixa feliz. Mas como saber se não temos o que desejamos?

A ciência da psicologia oferece alguns caminhos, e a maior parte deles envolve se informar com outras pessoas que passaram pela experiência para saber como se sentiram. Uma forma de medir a diferença entre expectativa e realidade. Sempre acreditei em pesquisa, então fui atrás de pessoas que conheciam G melhor, até mesmo algumas que já tinham se relacionado com ela. Falei com várias pessoas, eu não estava totalmente seguro. No fim, o desejo antigo falou mais alto. E comecei um novo relacionamento.

Intuição. Ouçam suas intuições. Nem sempre acreditem nelas, mas considerem como um input interessante. E olhando para trás, toda minha ânsia em pesquisar, em querer ter certeza, era no fundo um temor de que o que G me oferecia talvez não fosse bem o que eu procurasse. Mas não me culpo, ver a história acontecida e saber o que tínhamos que ter feito é o que fazemos de melhor. Mas só conseguimos fazer isso olhando o que já aconteceu e não temos nenhuma garantia de que não vamos repetir o mesmo erro. Aliás, não posso chamar de erro o que aconteceu. Se eu voltasse no tempo, sabendo o que eu sabia na época, creio que teria 99% de chance de ser seduzido por G. Realmente meu desejo era forte.

Sem entrar em muitos detalhes, o casamento com G fracassou. Não era o que eu achava que seria, nem de longe, nem de perto. Desde o início foi tudo muito difícil, e com o temperamento forte vinham também vários momentos de tédio. Comecei a ficar angustiado, percebia que as coisas não estavam nada bem. Mas continuei. E G também percebeu que eu não era o que ela precisava. Até que menos de 4 meses depois, em 12 de junho de 2007, meu aniversário, G. me chamou para conversar logo pela manhã. E disse que não estava dando certo.

Eu só pude concordar, mas não tinha certeza se ela queria acabar ali ou se eu teria uma nova chance. Ao fim da conversa, entendi que estava acabado. O mais engraçado de tudo é que eu não senti tristeza. Senti alívio. Eu não fiz o que ela teve coragem de fazer. Foi a primeira vez que um relacionamento meu terminou por iniciativa da outra parte. Mas não foi traumático, foi libertador. Foi um fracasso? Com certeza. Foi tudo ruim? Não, sempre aprendo algo, e conheci várias pessoas através de G. Acabamos bem.

Tive um tempo para ir a Nova Iorque, um antigo sonho meu, e foi maravilhoso. Voltei renovado, feliz, disposto a começar tudo de novo. E menos de 3 meses depois encontrei outra. Na verdade, reencontrei. R me chamou novamente. Ela, meu primeiro amor verdadeiro, que me fez tão feliz por cerca de 5 anos entre idas e vindas. E agora ela estava diferente, eu também estava, e decidimos recomeçar. A princípio, sem um grande compromisso. Combinamos que tentaríamos, e que se tudo corresse bem poderíamos oficializar. Seis meses depois, casamos. Estamos juntos até hoje. Quanto tempo vai durar? Como saber? Mas percebi que meu desejo antigo não estava equivocado. Eu só não estava pronto. E agora estou.

Vou tentar de verdade, quero que dê certo de verdade. Já me entediei algumas vezes com R? Certamente. Já tive uma crise seríssima novamente? Sim, e muito pior do que a primeira lá em 2005. Estive a um passo de cair fora. Mas tive paciência, esperei as coisas melhorarem, me esforcei para isso. E hoje, vejo um futuro melhor. Meu tesão voltou, não que eu estivesse infeliz, mas estava acomodado, meio no automático. R me chamou para conversar, numa boa, pois via que as coisas não estavam bem, e deixou bem claro que era preciso mudar.

Demorei a realmente entender. Mas semana passada, tivemos uma nova conversa. E vi que se eu quero que as coisas mudem, devo mudar eu primeiro. E que a melhor maneira de mudar, não é mudando tudo de uma vez. Não só é difícil, como pode causar muita frustração. Resolvi mudar de atitude, fazer um gesto, mesmo que pequeno. E mudar um gesto pode mudar uma cabeça - ou duas. Vou me esforçar. Não vai ser sempre fácil, claro, não vai ser tudo felicidade. Dificuldades sempre existem.  

Mas o desejo pode fazer a diferença - não o desejo declarado, o desejo racional - e sim o desejo profundo, o desejo de felicidade, o desejo que brota de uma mudança de olhar. É só sair da rotina, tentar algo nunca tentado. Se não der certo, tentar outra coisa. Conversar, numa boa, de mente aberta e coração também. Até que a gente construa algo maior do que qualquer um dos dois poderia sozinho. Para mim e para R.

Nota do autor: o casamento e o amor de que falo não necessariamente se referem a pessoas reais.

terça-feira, maio 18, 2010

Mulher que é mulher


Mulher que é mulher não gosta de conversar. Conversar implica uma troca entre duas pessoas. Mulher que é mulher gosta de falar. Falar muito. Mas só ela. Fala pelo outro, fala pelos outros. Se o homem que é homem ouvir, melhor - mas ele não ouve, porque homem que é homem continua prestando atenção no futebol.

Mulher que é mulher (a partir de agora, MQEM) não discute a relação. Discute tudo. A relação, a falta de relação, o excesso de relação, o início da relação, o meio da relação, o fim da relação. Discute até quando não tem mais relação. MQEM adora falar de outra MQEM. Falar mal. Das roupas, do sapato, da maquiagem, dos cabelos, dos maridos, dos amantes, da magreza, da gordura, da vulgaridade, da santidade.

MQEM não fala ou tem dúvidas sobre o que vestir. Isso se tiver menos de 3 anos. Assim que passa a falar e poder escolher, MQEM faz análises, comparações, contrapontos, perguntas, questionamentos e teorias a cada peça de roupa a usar. Naturalmente, o homem que é homem concorda com qualquer escolha, desde que não mostre o decote.

MQEM não fala sobre filmes. Chora. Vendo romance, drama, comédia, terror, guerra, ação, desenho, documentário. Chora vendo trailer de filme. Até vendo a propaganda antes do trailer do filme.

MQEM não fala ou se preocupa com a forma. Se horroriza, atormenta, perde o sono, desespera. Então, MQEM não faz dieta. Vive em dieta. Dieta do abacaxi, da sopa, da proteína, do Dr. Atkins, da Jane Fonda, do sol, da lua, das estrelas.

MQEM não pára de falar. Ou melhor, pára, mas não por falta de vontade ou assunto. Pára por exaustão. No fundo, talvez, a MQEM não goste de falar, mas como o homem que é homem não fala, ela não tem opção. Por isso, vou parar de falar, porque a sala está cheia de mulheres que são mulheres. E já estão começando a me olhar feio.

Crônica desenvolvida na Oficina de Crônicas, do Carpinejar, em São Paulo, 14/5/2010, a partir da crônica "Homem que é homem", de Luis Fernando Verissimo