Ultimamente tenho me irritado cada vez mais com as religiões (como o post anterior bem demonstra) e hoje transcrevo uma passagem de um livro que para mim resume muito do que penso, e do que muitas pessoas pensam mas têm vergonha de admitir. Segue abaixo:
"Nós temos nomes para pessoas que têm muitas crenças para as quais não existem justificativas racionais. Quando as crenças delas são extremamente comuns, nós as chamamos de "religiosas"; caso contrário, geralmente as chamamos de "loucas", "psicóticas" ou "delirantes".
Para citar um exemplo: Jesus Cristo - que, como se sabe, nasceu de uma virgem, enganou a morte e subiu fisicamente aos céus - pode agora ser comido na forma de uma bolacha. Com algumas poucas invocações feitas à um cálice cheio de vinho, também é possível beber seu sangue. Há alguma dúvida de que se apenas uma pessoa acreditasse nessas coisas ela seria considerada louca?
Os perigos da fé religiosa é que ela permite a seres humanos normais colherem os frutos da loucura e os considerarem sagrados."
Além de muito engraçado, é real. O autor é Sam Harris, um cientista especializado em neurociências, que escreveu alguns livros contestando crenças religiosas, livros que estão na lista de best-sellers nos Estados Unidos e deveriam ser traduzidos. Outro best-seller do momento é "A Ilusão de Deus" (The God Delusion), de Richard Dawkins, brilhante cientista e advogado de todos ateus do mundo. Para saber mais veja (links em inglês): crítica do livro de Sam Harris e texto de Dawkins no site edge.org
E continuo minha cruzada!!! Ayouuuu Silver!!!!
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segunda-feira, novembro 27, 2006
terça-feira, novembro 21, 2006
Sobre religião e spammers
ATENÇÃO: se você se ofende facilmente com opiniões contrárias às suas e com xingamentos, pare agora!!
Eu avisei hein! Não quero saber de reclamações depois.
Minha visão sobre religião (e spammers)
Embora ninguém tenha pedido, chegou a hora de expor alguns pensamentos meus sobre religião. Na verdade, pouca coisa do que eu vou expor aqui é original, assim como 99% do que eu escrevo e do que qualquer pessoa escreve (veja PS para mais sobre esse tema).
Aliás, a principal motivação para este post ligeiramente mal humorado e irônico são as porras de spam que eu recebo quase todo santo dia falando que Deus me ama, que vai acontecer um milagre às 3:52 horas da manhã se eu encaminhar a mensagem pros meus 17.673 amigos e coisas do gênero. Como diria um amigo meu (o que geralmente quer dizer que eu disse isso, sabe aquela velha história que "aconteceu com um amigo de um amigo"?): quero que esses cornos de spammers vão todos à PUTA QUE PARIU [pronunciar no estilo Hermes e Renato, abrindo bem a boca e desferindo claramente cada sílaba: COOOOR-NOS, PUUU-TA QUEEE PA-RIUUUU!] . Pronto, desabafei :)
Mas voltanto ao assunto, vamos lá.
Resumindo: todas religiões (sem exceção) são promotoras do ódio, do preconceito e de tudo que de ruim existe nesse mundo. Tá bom, exagerei um pouco, mas é mais ou menos isso (mais pra mais que pra menos). Tenho nojo principalmente das "grandes 3": cristianismo, islamismo e judaísmo.
Ponto 1: cada uma delas e qualquer religião tem convicção de que ela, e só ela, está certa, e as outras estão todas erradas. Como isso é uma impossiblidade lógica, a conclusão natural é que todas estão erradas. Abomino todas elas.
Ponto 2: praticamente todas religiões se baseiam na crença de alguma força superior (geralmente conhecida por Deus) que criou o mundo e vê tudo que acontece e manda um monte de gente pro inferno. Além disso, algumas acham que ele é um cara barbudo. Na verdade muito parecido com o Papai Noel. Na verdade, é apenas uma versão mais rídicula do Papai Noel, já que ninguém com mais de 7 anos acredita no Papai Noel, mas um monte de gente grande acredita em Deus (barbudo, claro). O porquê disso é algo que me foge (tenho algumas teorias mas deixo pra outra hora).
Bom, crianças, cheguem mais perto que vou contar um segredinho: Deus não existe.
Tudo bem, assim como acreditar em Deus é uma questão de fé, não acreditar também é, porque não há como provar cientificamente nenhuma dessas duas posições. Como sou cético, é preferível ficar com a versão mais simples. Acredito no princípio da Navalha de Occam: se existem duas explicações para um fenômeno, e as duas explicam satisfatoriamente este fenômeno, mas não há como provar qual está certa, é melhor ficarmos com a explicação mais simples, mais elegante, que envolva menos passos duvidosos. E é simplesmente mais fácil e belo explicar o universo sem recorrer a uma explicação teológica. Afinal, o homem criou Deus, e não o contrário.
Por hoje é só pessoal. Outra hora vou explicar melhor porque uma visão do mundo sem Deus ou qualquer coisa do gênero é muito mais bela e fascinante (e correta).
E quem me conhece sabe que sou uma pessoa alegre e de bem com a vida, ao contrário do que possa parecer a alguns pela leitura desse post. Apenas tenho opiniões fortes sobre quase tudo, desde a guerra no Iraque até os implantes de silicone - a saber: sou a favor (dos implantes, claro) mas ainda precisam evoluir pra ficar mais reais. Não, eu nunca encostei num, mas um amigo de um amigo meu já.
E eu avisei hein!!
PS: Quanto ao fato de eu não ser muito original, bom, pelo menos eu escrevo, ao invés de agir como um spammer zumbi imbecil que encaminha e-mails estúpidos demandando que eu envie para meus 17.673 amigos a mensagem de que Deus me ama. Fora o fato de que ele não existe, se ele existisse aposto que não daria a mínima pra mim ou pra qualquer pessoa, pelo menos não mais do que ele se importaria com uma pedra ou com um gafanhoto, que afinal também "são" criações dele.
Eu avisei hein! Não quero saber de reclamações depois.
Minha visão sobre religião (e spammers)
Embora ninguém tenha pedido, chegou a hora de expor alguns pensamentos meus sobre religião. Na verdade, pouca coisa do que eu vou expor aqui é original, assim como 99% do que eu escrevo e do que qualquer pessoa escreve (veja PS para mais sobre esse tema).
Aliás, a principal motivação para este post ligeiramente mal humorado e irônico são as porras de spam que eu recebo quase todo santo dia falando que Deus me ama, que vai acontecer um milagre às 3:52 horas da manhã se eu encaminhar a mensagem pros meus 17.673 amigos e coisas do gênero. Como diria um amigo meu (o que geralmente quer dizer que eu disse isso, sabe aquela velha história que "aconteceu com um amigo de um amigo"?): quero que esses cornos de spammers vão todos à PUTA QUE PARIU [pronunciar no estilo Hermes e Renato, abrindo bem a boca e desferindo claramente cada sílaba: COOOOR-NOS, PUUU-TA QUEEE PA-RIUUUU!] . Pronto, desabafei :)
Mas voltanto ao assunto, vamos lá.
Resumindo: todas religiões (sem exceção) são promotoras do ódio, do preconceito e de tudo que de ruim existe nesse mundo. Tá bom, exagerei um pouco, mas é mais ou menos isso (mais pra mais que pra menos). Tenho nojo principalmente das "grandes 3": cristianismo, islamismo e judaísmo.
Ponto 1: cada uma delas e qualquer religião tem convicção de que ela, e só ela, está certa, e as outras estão todas erradas. Como isso é uma impossiblidade lógica, a conclusão natural é que todas estão erradas. Abomino todas elas.
Ponto 2: praticamente todas religiões se baseiam na crença de alguma força superior (geralmente conhecida por Deus) que criou o mundo e vê tudo que acontece e manda um monte de gente pro inferno. Além disso, algumas acham que ele é um cara barbudo. Na verdade muito parecido com o Papai Noel. Na verdade, é apenas uma versão mais rídicula do Papai Noel, já que ninguém com mais de 7 anos acredita no Papai Noel, mas um monte de gente grande acredita em Deus (barbudo, claro). O porquê disso é algo que me foge (tenho algumas teorias mas deixo pra outra hora).
Bom, crianças, cheguem mais perto que vou contar um segredinho: Deus não existe.
Tudo bem, assim como acreditar em Deus é uma questão de fé, não acreditar também é, porque não há como provar cientificamente nenhuma dessas duas posições. Como sou cético, é preferível ficar com a versão mais simples. Acredito no princípio da Navalha de Occam: se existem duas explicações para um fenômeno, e as duas explicam satisfatoriamente este fenômeno, mas não há como provar qual está certa, é melhor ficarmos com a explicação mais simples, mais elegante, que envolva menos passos duvidosos. E é simplesmente mais fácil e belo explicar o universo sem recorrer a uma explicação teológica. Afinal, o homem criou Deus, e não o contrário.
Por hoje é só pessoal. Outra hora vou explicar melhor porque uma visão do mundo sem Deus ou qualquer coisa do gênero é muito mais bela e fascinante (e correta).
E quem me conhece sabe que sou uma pessoa alegre e de bem com a vida, ao contrário do que possa parecer a alguns pela leitura desse post. Apenas tenho opiniões fortes sobre quase tudo, desde a guerra no Iraque até os implantes de silicone - a saber: sou a favor (dos implantes, claro) mas ainda precisam evoluir pra ficar mais reais. Não, eu nunca encostei num, mas um amigo de um amigo meu já.
E eu avisei hein!!
PS: Quanto ao fato de eu não ser muito original, bom, pelo menos eu escrevo, ao invés de agir como um spammer zumbi imbecil que encaminha e-mails estúpidos demandando que eu envie para meus 17.673 amigos a mensagem de que Deus me ama. Fora o fato de que ele não existe, se ele existisse aposto que não daria a mínima pra mim ou pra qualquer pessoa, pelo menos não mais do que ele se importaria com uma pedra ou com um gafanhoto, que afinal também "são" criações dele.
segunda-feira, outubro 02, 2006
Selffuckfillingprophecy
A porra da profecia auto-realizável...
A vida tem sentido, não tem? Depende de quem responde. Se você acredita que tem, então tem. Mas objetivamente falando a vida não tem um sentido, e Freud já dizia isso, uma das (poucas) coisas em que ele acertou.
No livro “Cachorros de palha” (Editora Record, R$29,52) o filósofo John Gray nos convence de que nossas vidas não têm sentido. Ou melhor, que não somos nem menos nem mais do que qualquer animal. Nos consideramos tão especiais, somos os únicos a ter isso, os únicos a fazer aquilo, os senhores da Terra e do Universo. Deus foi feito à nossa semelhança. Então somos especiais.
Mas no fundo vivemos numa ilusão. É ruim? Na maior parte das vezes não. O auto-engano é a mais sofisticada de nossas invenções, principalmente porque não nos damos conta dela. E ele também acerta quando diz que não buscamos a verdade, só sofredores querem a verdade.
Nós queremos sexo, comida e dinheiro.
O sexo como motivação última e muitas vezes inconsciente de nosso comportamento, como frisava Schopenhauer. Aliás, a maior parte de nossa vida é inconsciente, muito mais do que nos damos conta ou do que gostaríamos. Nos imaginamos senhores da Terra, mas não somos nem mesmo senhores de nós mesmos. O livre-arbítrio, a capacidade de escolha são as maiores ilusões criadas pelo nosso cérebro. Não há self, não há homúnculo, a maior parte de nossas decisões são tomadas sem sabermos porque, sem que tenhamos tido uma influência consciente. O acaso faz maior parte de nossa vida do que gostaríamos, as maiores decisões a nosso respeito foram tomadas por nós sem nenhuma possibilidade de nossa influência (onde nascemos, quem são nossos pais, nossos genes).
E no fundo somos muito parecidos uns aos outros, muito mais parecidos do que diferentes, por qualquer medida que se queira usar. Nós, como espécie, somos incrivelmente parecidos entre si. No entanto, esquecemos disso e acabamos nos concentrando nas diferenças, que naturalmente são o que se destaca. Mas assim, como todos os leões de todos documentários parecem ser exatamente o mesmo leão, aos olhos de um leão qualquer homo sapiens seria indistinguível dos outros.
Apesar de tudo, nos achamos especiais, e isto não deve surpreender, pois faz parte de nosso maquinário evolutivo, mas é certamente é algo muito exagerado. Cada animal tem uma especialidade, tem aspectos únicos: golfinhos se comunicam por infra-som, caçam presas com sonar, tubarões percebem mudanças no campo elétrico, pombos se localizam através de um sistema de orientação em seu bico, num processo que só agora começa a ser entendido. E os exemplos são infinitos.
Sim, podemos ser o único animal que ri, que pensa no futuro. Mas por outro lado nosso olfato é horrível, nossos bebês são os mais frágeis, nossa visão noturna é a de um cego em comparação à visão dos felinos, nossa audição é a de um surdo comparada entre muitas deficiências. Cada animal desenvolve capacidades únicas que os permitem se adaptar a seu meio e sobreviver. Nada de espantoso nisso. Quer dizer, a vida é espantosa, mas o processo é rigorosamente o mesmo para todos seres vivos.
E a morte nos confronta com o que não queremos confrontar: a preciosidade da vida, este breve instante que temos e que é o único que teremos para fazer algo. Não vale convocar a vida eterna. Temos horror ao fim. Não nos percebemos como parte de algo maior. E esse algo maior não está se lixando para ninguém, não há salvação pois não há do que se salvar.
E agora meu vô não está mais aqui em casa. Ervino Aloysio Flach. Foi enterrado hoje pela manhã, em Alto Feliz, ao lado de minha vó que não conheci. E agora meu primo Gustavo está sentado na cadeira que meu vô usava todo o dia, em nossa casa, em Nova Milano, onde ele conviveu conosco nos últimos 20 anos.
A chuva é constante, a cerração é a usual, o clima é de um dia de inverno como tantos outros. Mas agora há um vazio a mais. Uma cadeira sem dono. Um quarto sem ocupante. Um livro sem leitor. A poltrona, fica ao lado de uma janela de onde se pode ver o jardim, com as flores que ele tanto gostava e cuidava, além de algumas araucárias e casas ao longe. Não é uma vista espetacular, mas é bonita. O calendário na parede marca o dia em que ele saiu para o hospital, 7 de agosto. Um calendário que ele sempre virava a página, sempre com uma foto de um animal e um dizer supostamente sábio.
E agora não há mais como saber se ele gostava do calendário, se ele gostava dos bichos, dos dizeres, dos dois ou de nenhum. Há mais um monte de coisa que nunca mais saberemos. Sempre parecia que haveria tempo para contar mais histórias. Tempo para sentar e fazer entrevistas, desvendar o passado de todos antepassados, desvendar as vidas e as histórias. Eu me culpo por isso, me culpo por ter ouvido pouco as histórias de meu vô, de ter lhe contado tão pouco da minha vida. Mas nem para meus pais eu conto muito. E o vô gostava de falar, falava de muitas coisas, de amigos, desafetos, visitas, parentes. Falava de e falava com. E às vezes não deixava ninguém falar :)
Mas agora todo mundo pode falar, eu posso falar horas com ele e não vai haver resposta. Tenho que me consolar com as respostas que tive, com os exemplos que ele me deu. No geral, teve uma vida aparentemente resignada, mas é aparente pois no fundo ele tinha suas motivações e fez suas escolhas. Teve sofrimentos e alegrias, como qualquer um. Amava sua família. Amava sua terra. Amava a música. Amava as flores. Amava a leitura. Amava ensinar. Amava falar. Amava contar suas histórias. Amava viver. Amava distribuir, não queria guardar para si, não tinha praticamente nada mas tinha o que o fazia feliz. Estava com amigos, estava com sua família e isso bastava.
Adeus, meu vô.
H. Schneider
14 de agosto de 2006
Para saber mais sobre o excelente livro "Cachorros de Palha", leia a entrevista com o autor John Gray aqui
A vida tem sentido, não tem? Depende de quem responde. Se você acredita que tem, então tem. Mas objetivamente falando a vida não tem um sentido, e Freud já dizia isso, uma das (poucas) coisas em que ele acertou.
No livro “Cachorros de palha” (Editora Record, R$29,52) o filósofo John Gray nos convence de que nossas vidas não têm sentido. Ou melhor, que não somos nem menos nem mais do que qualquer animal. Nos consideramos tão especiais, somos os únicos a ter isso, os únicos a fazer aquilo, os senhores da Terra e do Universo. Deus foi feito à nossa semelhança. Então somos especiais.
Mas no fundo vivemos numa ilusão. É ruim? Na maior parte das vezes não. O auto-engano é a mais sofisticada de nossas invenções, principalmente porque não nos damos conta dela. E ele também acerta quando diz que não buscamos a verdade, só sofredores querem a verdade.
Nós queremos sexo, comida e dinheiro.
O sexo como motivação última e muitas vezes inconsciente de nosso comportamento, como frisava Schopenhauer. Aliás, a maior parte de nossa vida é inconsciente, muito mais do que nos damos conta ou do que gostaríamos. Nos imaginamos senhores da Terra, mas não somos nem mesmo senhores de nós mesmos. O livre-arbítrio, a capacidade de escolha são as maiores ilusões criadas pelo nosso cérebro. Não há self, não há homúnculo, a maior parte de nossas decisões são tomadas sem sabermos porque, sem que tenhamos tido uma influência consciente. O acaso faz maior parte de nossa vida do que gostaríamos, as maiores decisões a nosso respeito foram tomadas por nós sem nenhuma possibilidade de nossa influência (onde nascemos, quem são nossos pais, nossos genes).
E no fundo somos muito parecidos uns aos outros, muito mais parecidos do que diferentes, por qualquer medida que se queira usar. Nós, como espécie, somos incrivelmente parecidos entre si. No entanto, esquecemos disso e acabamos nos concentrando nas diferenças, que naturalmente são o que se destaca. Mas assim, como todos os leões de todos documentários parecem ser exatamente o mesmo leão, aos olhos de um leão qualquer homo sapiens seria indistinguível dos outros.
Apesar de tudo, nos achamos especiais, e isto não deve surpreender, pois faz parte de nosso maquinário evolutivo, mas é certamente é algo muito exagerado. Cada animal tem uma especialidade, tem aspectos únicos: golfinhos se comunicam por infra-som, caçam presas com sonar, tubarões percebem mudanças no campo elétrico, pombos se localizam através de um sistema de orientação em seu bico, num processo que só agora começa a ser entendido. E os exemplos são infinitos.
Sim, podemos ser o único animal que ri, que pensa no futuro. Mas por outro lado nosso olfato é horrível, nossos bebês são os mais frágeis, nossa visão noturna é a de um cego em comparação à visão dos felinos, nossa audição é a de um surdo comparada entre muitas deficiências. Cada animal desenvolve capacidades únicas que os permitem se adaptar a seu meio e sobreviver. Nada de espantoso nisso. Quer dizer, a vida é espantosa, mas o processo é rigorosamente o mesmo para todos seres vivos.
E a morte nos confronta com o que não queremos confrontar: a preciosidade da vida, este breve instante que temos e que é o único que teremos para fazer algo. Não vale convocar a vida eterna. Temos horror ao fim. Não nos percebemos como parte de algo maior. E esse algo maior não está se lixando para ninguém, não há salvação pois não há do que se salvar.
E agora meu vô não está mais aqui em casa. Ervino Aloysio Flach. Foi enterrado hoje pela manhã, em Alto Feliz, ao lado de minha vó que não conheci. E agora meu primo Gustavo está sentado na cadeira que meu vô usava todo o dia, em nossa casa, em Nova Milano, onde ele conviveu conosco nos últimos 20 anos.
A chuva é constante, a cerração é a usual, o clima é de um dia de inverno como tantos outros. Mas agora há um vazio a mais. Uma cadeira sem dono. Um quarto sem ocupante. Um livro sem leitor. A poltrona, fica ao lado de uma janela de onde se pode ver o jardim, com as flores que ele tanto gostava e cuidava, além de algumas araucárias e casas ao longe. Não é uma vista espetacular, mas é bonita. O calendário na parede marca o dia em que ele saiu para o hospital, 7 de agosto. Um calendário que ele sempre virava a página, sempre com uma foto de um animal e um dizer supostamente sábio.
E agora não há mais como saber se ele gostava do calendário, se ele gostava dos bichos, dos dizeres, dos dois ou de nenhum. Há mais um monte de coisa que nunca mais saberemos. Sempre parecia que haveria tempo para contar mais histórias. Tempo para sentar e fazer entrevistas, desvendar o passado de todos antepassados, desvendar as vidas e as histórias. Eu me culpo por isso, me culpo por ter ouvido pouco as histórias de meu vô, de ter lhe contado tão pouco da minha vida. Mas nem para meus pais eu conto muito. E o vô gostava de falar, falava de muitas coisas, de amigos, desafetos, visitas, parentes. Falava de e falava com. E às vezes não deixava ninguém falar :)
Mas agora todo mundo pode falar, eu posso falar horas com ele e não vai haver resposta. Tenho que me consolar com as respostas que tive, com os exemplos que ele me deu. No geral, teve uma vida aparentemente resignada, mas é aparente pois no fundo ele tinha suas motivações e fez suas escolhas. Teve sofrimentos e alegrias, como qualquer um. Amava sua família. Amava sua terra. Amava a música. Amava as flores. Amava a leitura. Amava ensinar. Amava falar. Amava contar suas histórias. Amava viver. Amava distribuir, não queria guardar para si, não tinha praticamente nada mas tinha o que o fazia feliz. Estava com amigos, estava com sua família e isso bastava.
Adeus, meu vô.
H. Schneider
14 de agosto de 2006
Para saber mais sobre o excelente livro "Cachorros de Palha", leia a entrevista com o autor John Gray aqui
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