quinta-feira, dezembro 28, 2006

O poder da Música


“A vida sem música é simplesmente um erro, cansaço, exílio.”
Friedrich Nietzsche


(Escrito em 24/02/2006, em Buenos Aires)

Estou caminhando sozinho pela Calle Florida, no centro de Buenos Aires. São 23 e 30 e a rua está quase deserta. Estou ouvindo música no meu iPod, uma música dos Stereophonics, que é belíssima, “Handbags and Gladrags”. É um cover na verdade, mas isso não importa.

E no entanto, apesar de estar frio e ser tarde, umas 12 pessoas estão paradas ouvindo um homem solitário cantando “I Started a Joke” com sua guitarra e seu mini amplificador. Eu quase parei, mas já estava ouvindo uma música muito boa. Agora mesmo parei de escrever por uma meia hora porque comecei a ver uns clipes do Franz Ferdinando e do U2 na MTV local, bandas que vou assistir na próxima quinta (2/mar). E ver esses shows foi justamente o motivo de minha viagem.

Antes disso, estava no show dos Stones, com mais 70 mil pessoas no estádio do River. Quase morri esmagado e sem ar mas valeu cada um dos R$ 60.000 centavos. Ao fim do show, já exausto e quase desmaiando com o budum a minha volta, olhei para as pessoas atrás de mim – e eram muitas pois eu estava simplesmente espremido na grade. Estavam todas felizes, cantando junto ou apenas olhando o show com uma pura expressão de felicidade no rosto.

E no meio deste show já estava pensando em como a música tem esse poder fantástico de reunir dezenas de milhares de pessoas para ouvir 4 marmanjos (velhacos?) tocando. Mas que velhacos! Como pode? Como pode ser tão impactante? Tudo bem que eles são apenas uma das maiores bandas do mundo, mas mesmo assim impressiona. E aposto como 99% das pessoas não tinham idéia alguma sobre o que Ráguer (é como os “hermanos” pronunciam Jagger, pois eles falam todas línguas com a pronúncia deles, óbvio) cantava.

A música, até certo ponto, independe da língua ou do significado das letras, como qualquer um que faça um “enrolation” de vez em quando pode saber. A melodia, o ritmo, a levada da música já indicam muito sobre o que a música quer dizer, elas refletem um estado de espírito. Por exemplo, usando os Stones: Satisfaction é uma música de levada rápida, com poucos acordes e poucas mudanças de melodia, é uma música agitada, pra cima. Já Angie tem uma levada de balada, com acordes mais sombrios - ela começa com um Lá menor, sendo que os acordes menores geralmente induzem a um sentimento mais melancólico do que os acordes maiores.

Outro aspecto que atrai multidões para esses shows é o fator “celebridade”, a chance de ver ao vivo pessoas que geralmente só são vistas em clipes e sites. A cultura da celebridade é algo típico de nossa era. Talvez só no âmbito da religião existam fenômenos similares. Não é por nada que shows já foram comparados à celebrações religiosas.

O melhor show que vi na vida foi do Coldplay, em São Paulo, em 2003. Fui pra lá numa excursão de ônibus organizada pela Ipanema, bate e volta. Fora o fato de que eu quase não conseguia andar de tão chapado com a fumaça que infestou o ônibus durante toda viagem, foi tudo maravilhoso. E foi como estar numa missa, foi catártico, intenso. Todas pessoas cantavam juntas todas as músicas, o que até surpreendeu o Chris Martin. E para mim aquilo foi o mais próximo de uma cerimônia religiosa que eu já vi, com a diferença de que não fui obrigado a comer uma bolacha que é literalmente o corpo de uma pessoa, por mais absurdo que isso seja.

No final, a música talvez seja tão universal e poderosa porque faz parte de um instinto, um instinto mais básico do que a linguagem, algo que surgiu antes de qualquer língua. Qualquer bebê entende a linguagem universal da música. Todas culturas humanas conhecidas conhecem, criam e apreciam músicas. Os estilos mudam, os formatos evoluem, mas a música em suas mais diversas manifestações permanece e nos emociona.

Eu mesmo já tive bandas. Também não saio de casa sem meu Ipod e estou sempre cantarolando algum som. Não consigo viver sem música. Por isso, só posso reforçar e atualizar o que Nietzsche já disse há muito tempo: a vida sem música seria um saco.

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